Durante uma audição conjunta na Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território, no âmbito da apreciação na especialidade da Proposta de Lei n.º 109/XIV/2.º, que cria a possibilidade de fixação de margens máximas de comercialização para os combustíveis simples, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) salientou, por sua vez, que “as políticas públicas e a fiscalidade devem ser calibradas num contexto de transição energética”, não devendo “ser tomadas decisões que contribuam para dar passos atrás neste caminho”.
Os pareceres pedidos à Autoridade da Concorrência (AdC), à Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro), à Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE) e à ERSE visam criar debate sobre a proposta de projeto de lei (PPL) apresentada pelo Governo e aprovada em 17 de setembro, na generalidade, pela Assembleia da República, com votos contra do CDS-PP, Chega e Iniciativa Liberal e a abstenção de PSD.
Até ao final do dia de hoje, os grupos parlamentares têm de apresentar as suas propostas de alteração à PPL, estando a reunião para votação do texto final marcada para quinta-feira, às 13:30.
Na sua intervenção, a economista chefe da AdC, Ana Sofia Rodrigues, remeteu para o parecer já enviado por escrito por aquela entidade ao parlamento, no qual alerta que a proposta de lei do Governo poderá distorcer as condições de concorrência no mercado e penalizar as empresas de menor dimensão, levando ao seu fecho.
Segundo explicou, se o limite às margens “for fixado a um nível muito elevado, o próprio limite pode funcionar como um ponto focal para a atuação dos operadores” e, “caso seja estabelecido a um nível artificialmente baixo, os operadores no mercado podem enfrentar dificuldades em recuperar os seus custos operacionais, em particular os operadores de menor dimensão”.
“E isso pode pôr em causa a atividade, penalizando particularmente os operadores mais pequenos, comprometer os investimentos e, caso haja uma saída de operadores de reduzida dimensão, comprometer também a capilaridade do abastecimento destes serviços”, precisou.
A AdC considera ainda que “estas medidas também limitam a flexibilidade dos operadores e podem impulsionar as assimetrias entre eles”, arriscando “alterar o ecossistema de fornecedores e reforçar a concentração, caso haja saída dos operadores de menor dimensão”.
E se é um facto que o projeto de lei prevê que a fixação de margens máximas seja “limitada no tempo” e a situações excecionais, a economista chefe nota que “não é especificado o período temporal a que se aplica e, portanto, é passível de introduzir incerteza no mercado”.
Para a Autoridade da Concorrência, os “indícios de uma apropriação de margem” evidenciados por um estudo da ENSE divulgado em julho passado devem ser “enquadrados face à evolução histórica e à comparação internacional”.
“E, se analisarmos o preço médio antes de impostos da gasolina 95, por exemplo, verificamos que, nesta altura em que se verificou um aumento das margens absolutas, o posicionamento do preço médio antes de impostos em Portugal face a Espanha e face à União Europeia não se deteriorou, pelo contrário”, sustentou.
Por sua vez, o presidente do Conselho de Administração da ENSE reiterou as conclusões do estudo divulgado em julho, em que esta entidade atribui a subida do preço dos combustíveis, para máximos de dois anos, mais à subida dos preços antes de impostos e das margens brutas do que ao aumento da fiscalidade.
Reconhecendo que os combustíveis foram “um setor resiliente à crise pandémica e que manteve sempre o seu funcionamento, pois é vital para o país, empresas e famílias”, Filipe Rodrigues Meirinho considerou “racional” e “normal” que “possa ter querido acomodar as suas margens de comercialização no período atípico em que houve uma redução acentuada no consumo”.
“Poderá ter sido sobretudo por esse motivo [que o preço final dos combustíveis aumentou], de melhor capacidade de resiliência do setor numa altura em que há quebra das vendas. Mas não pelo argumento, que por vezes se ouve, da variação da fiscalidade”, que “é alta, mas não sofreu variações no período avaliado”, afirmou.
Neste contexto, a ENSE considera que a proposta legislativa de limitar as margens máximas de comercialização dos combustíveis “procura racionalizar estes ajustamentos de mercado, em situações excecionais e transitórias, e tentar evitar aumentos não justificados que possam incrementar custos aos cidadãos e à economia nacional”.
“Apesar de estarmos a falar de um mercado livre, não sujeito à regulação, onde a formação de preços é da responsabilidade dos agentes económicos, importa balizar opções em cenários de crise e sempre num horizonte temporal tão curto e transitório quanto possível”, defendeu.
Em sentido contrário, o secretário-geral da Apetro salientou que “nunca a AdC identificou práticas concorrenciais desleais ou lesivas dos interesses dos consumidores” entre os operadores do setor e defendeu que “olhar apenas para os preços do pórtico, que não é aquilo que os consumidores pagam, [já que a estes podem ser aplicados descontos], pode induzir em erros graves de avaliação”.
António Comprido reiterou que “a fatia de leão” do preço de venda ao público dos combustíveis “pertence à carga fiscal” e considerou que o estudo da ENSE “incidiu sobre um período atípico de quebras de consumo significativas”: “Diversas outras análises mostram que o comportamento dos preços em Portugal acompanhou sempre o que se passou na União Europeia comparando, mesmo, positivamente com Espanha, se retirados os impostos”, argumentou.
Para a Apetro, “os critérios amplos e vagos” da proposta de lei que fixa margens máximas nos combustíveis cria “um elevado nível de incerteza nos operadores que é inimiga da inovação, do investimento e, ‘quiçá’, da qualidade da oferta”.
Quanto à ERSE, defendeu “uma perspetiva integrada e global sobre a regulação económica do setor energético”, salientando que aqui “assume particular relevância a proteção dos consumidores”.
Perante os deputados, o vogal do Conselho de Administração do regulador, Pedro Verdelho - que foi indicado pelo Governo para substituir no cargo de presidente da ERSE Cristina Portugal, que morreu recentemente - disse contudo que “os custos e margens não são dominantes” na formação dos preços da gasolina e do gasóleo, mas antes a carga fiscal.
“Os custos e a margem comercial têm um peso de cerca de 10%”, disse, notando que, entre 2020 e 2021, “há uma redução dos custos e margens comerciais de cerca de 10 a 14%, mas como o peso desta margem comercial é reduzida, o incremento enorme da ‘commodity’ reflete-se no preço final, com um agravamento de cerca de 14%”.
“Se olharmos com atenção, de [20]20 para [20]21 verifica-se um decréscimo gradual das mesmas margens e, numa comparação internacional, sem carga fiscal, os nossos preços comparam com o mercado adjacente, [sendo que] na gasolina até são inferiores e, no caso do gasóleo, são superiores numa dimensão com muito pouca materialidade”, precisou.
(Artigo atualizado às 14:58)
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