Depois de muitos meses de perturbações no recebimento de salários, os trabalhadores da Groundforce realizaram, no fim de semana de 17 e 18 de julho, uma greve em grande escala, obrigando o Governo a TAP a intervir.

A companhia aérea, por sua vez, optou por avançar com o pagamento direto de subsídios de férias e anuidades em atraso aos trabalhadores da Groundforce depois de, anteriormente, a proposta que apresentou à empresa de ‘handling’ ter sido recusada.

No início deste ano, depois de várias fases de negociações para tentar resolver os problemas na empresa, entre a TAP, que detém 49,9% da SPdH (conhecida pelo seu nome comercial, Groundforce), e a Pasogal, acionista maioritário da empresa de 'handling' (assistência em aeroportos) com 50,1% do seu capital social, o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, informou os representantes dos trabalhadores que as ações da Pasogal já se encontravam penhoradas, não podendo ser dadas como garantias para um adiantamento da TAP de 2,05 milhões de euros para pagamento de salários de fevereiro, nem para um empréstimo bancário com aval do Estado de 30 milhões de euros das linhas Covid.

A TAP depois avançou com a compra de equipamentos da SPdH/Groundforce por 7,5 milhões de euros, para desbloquear o pagamento dos salários e impostos em atraso, passando a empresa de 'handling' a pagar à companhia aérea pelo aluguer deste material.

Mas a situação continuou a arrastar-se, com problemas constantes no pagamento de salários.

Entretanto, o Montepio avançou com o processo de venda das ações penhoradas, depois de uma decisão do tribunal, e o Governo garante ter uma solução se este processo não se concretizar.

Posto isto, estes são alguns pontos essenciais sobre a situação da Groundforce:

  • Adiantamentos da TAP à Groundforce para o pagamento de salários

Logo no final de dezembro de 2020, numa audição na Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação, João Alves, da Comissão de Trabalhadores Groundforce, avisou que os salários da empresa têm vindo a ser pagos "devido ao pagamento de serviços prestados à TAP".

Segundo João Alves, em dezembro a TAP já estava a pagar por serviços que ainda não tinham sido prestados e chegou a estar em causa o pagamento do subsídio de Natal até dia 15 de dezembro e dos impostos a dia 20.

Em 25 de fevereiro, os trabalhadores foram informados, através de uma carta enviada por Alfredo Casimiro, que a empresa não está em condições de pagar os salários de fevereiro sem que esteja concluído o processo de empréstimo bancário com garantia de Estado.

Na carta, Alfredo Casimiro dá conta de ter sido informado pelo Conselho de Administração da TAP de que não será possível continuar a adiantar dinheiro à Groundforce.

Em 18 de março, foi noticiado que a TAP iria comprar equipamentos da SPdH/Groundforce por 7,5 milhões de euros, para desbloquear o pagamento dos salários e impostos em atraso, passando a empresa de 'handling' a pagar à companhia aérea pelo aluguer deste material.

No entanto, em 28 de abril, o Conselho de Administração da Groundforce decidiu avançar com a anulação do acordo com a TAP, alegando que punha em causa a sua sobrevivência e dos 2.400 trabalhadores.

"Terminou há instantes a reunião do Conselho de Administração da Groundforce na qual, perante a opinião do Conselho Fiscal, dos auditores da Deloitte e de alguns juristas, se concluiu serem nulos os contratos de 'sale & leaseback' e arrendamento, celebrados em 19 de março de 2021 entre a Groundforce e a TAP", segundo um comunicado enviado pelo presidente do Conselho de Administração (PCA) da Groundforce e presidente executivo (CEO), Alfredo Casimiro.

A TAP rejeitou esta anulação e avisou que se mantinham as obrigações de pagamento.

A Groundforce ainda tentou levantar um excedente de três milhões de euros do fundo de pensões da empresa para pagar subsídios de férias no final de junho, mas não chegou a acordo com os trabalhadores nesse sentido.

Em 12 de julho, tendo em conta os problemas que continuavam no pagamento de salários, a TAP disse estar disponível para assegurar, a título de adiantamento, o pagamento do subsídio de férias dos trabalhadores da Groundforce, tendo feito uma proposta neste sentido à empresa de 'handling', anunciou a transportadora aérea.

No entanto, em 14 de julho, a Groundforce considerou "inaceitáveis" as condições do adiantamento sugerido pela TAP, para o pagamento do subsídio de férias, e apelou à companhia aérea para que pagasse os serviços já prestados.

"A SPdH [Groundforce] respondeu numa carta escrita com a autoridade de quem, nos últimos dois meses, adotou uma postura construtiva, com a reserva que o processo de venda em curso exige e sem contribuir para o ruído mediático, que tanto prejudicou a empresa e os seus trabalhadores. E respondeu, explicando que os termos e as condições nos quais assenta o adiantamento proposto pela TAP são inaceitáveis", informou a empresa de serviços de assistência em aeroportos ('handling'), em comunicado.

Para resolver o impasse, a TAP decidiu pagar diretamente aos trabalhadores da Groundforce o valor correspondente ao subsídio de férias e às anuidades em atraso, como anunciou no dia 21 de julho o Ministério das Infraestruturas e Habitação.

"Esta foi a solução encontrada para ultrapassar a recusa” da “administração da Groundforce em aceitar a transferência da TAP que permitiria o pagamento aos trabalhadores do subsídio que lhes era devido", adiantou o Governo.

Paralelamente a companhia aérea avançou com “o pagamento definido contratualmente para saldar a fatura relativa a serviços prestados em junho, garantindo que a administração da Groundforce tem liquidez suficiente para pagar integral e atempadamente os salários dos trabalhadores relativos ao mês de julho", adiantou o ministério, sublinhando "que o valor dos serviços prestados pagos pela TAP à Groundforce é superior às necessidades salariais dos trabalhadores" da empresa. A Groundforce confirmou depois que o pagamento atempado dos salários estava assegurado.

  • Governo vs Groundforce

Foi o Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes de Portugal (STTAMP) que revelou, no dia 01 de março, que a Pasogal não terá aceitado uma proposta para desbloquear as verbas para o pagamento dos salários dos trabalhadores, numa ‘saga’ que envolveria o Governo, a TAP e a Groundforce.

No dia seguinte, a TAP anuncia ter proposto efetuar à Groundforce um adiantamento de 2,05 milhões de euros para pagamento de salários e dívidas a fornecedores, exigindo em troca uma penhora da participação da Pasogal.

Porém, a administração da Groundforce recusa dar como garantia dos adiantamentos pedidos à TAP a penhora da participação de 50,1% da Pasogal na empresa, contrapropondo apresentar como garantia "ativos que respondem pela totalidade das suas dívidas".

Em comunicado, o presidente da Groundforce diz que a resposta que recebeu do Governo à sua proposta para viabilizar a empresa é "insultuosa", constituindo uma "chantagem e um ultimato inaceitável".

No mesmo dia, 4 de março, Pedro Nuno Santos convoca uma conferência de imprensa à noite, no seu ministério, e diz aos jornalistas que "a TAP não pode continuar a fazer adiantamentos sem ter garantias" e considera "inaceitável" a proposta do acionista privado de exigir manter o controlo da empresa em caso de execução da penhora da sua participação por incumprimento.

O ministro das Infraestruturas diz ainda, na mesma ocasião, que o Governo não tem qualquer intenção de nacionalizar a Groundforce.

No dia seguinte, 5 de março, o enredo adensa-se: Alfredo Casimiro informa a comunicação social de que aceitou todas as exigências apresentadas pelo Governo na conferência de imprensa, mas o executivo desmente e diz que o acionista maioritário não aceitou e que colocou novas condições, que estariam a ser analisadas. A Pasogal insiste que aceitou e que aguarda um contacto do Governo.

Em 8 de março, fonte oficial do Ministério das Infraestruturas e da Habitação dizia à Lusa que as negociações, que já se arrastavam há vários dias, falharam, porque o dono da Pasogal não pode entregar as ações como garantia para o empréstimo, uma vez que já se encontram penhoradas.

O Ministério das Infraestruturas informou ainda, em 10 de março, que Pedro Nuno Santos vai apresentar uma participação criminal contra Alfredo Casimiro, devido à divulgação de uma gravação de uma conversa entre os dois.

Quatro dias depois, o grupo TAP propõe disponibilizar à Groundforce 6,97 milhões de euros, através de um aumento de capital e não de um adiantamento, como estava a ser negociado, para desbloquear o impasse e evitar um "cenário de rutura iminente" da empresa.

A Pasogal disse, em 16 de março, estar disponível para considerar a realização de um aumento do capital social da SPdH, reservado a acionistas.

Em 18 de março Alfredo Casimiro acusou o Governo de ter culpa pela situação da empresa, devido à falta de apoios para fazer face aos efeitos da pandemia.

"O culpado não sou eu, não é a gestão privada. É a pandemia e a falta dos apoios prometidos pelo Estado", afirmou Alfredo Casimiro, perante os deputados da comissão parlamentar de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação.

Depois disso, Pedro Nuno Santos acusou o presidente do Conselho de Administração da Groundforce, Alfredo Casimiro, de ter enganado o Estado português e os trabalhadores da empresa de 'handling', por não ter informado antes que tinha as ações empenhadas.

"Estamos a falar de um empresário que, no relacionamento com o Estado, esteve a enganar o Estado até ao fim e que, a determinada altura, posteriormente, ainda grava uma reunião com um ministro", afirmou Pedro Nuno Santos.

  • Tribunal decreta insolvência pedida pela TAP em maio

O Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa decretou hoje a insolvência da SPdH (Groundforce), anunciou a TAP, que tinha feito um requerimento nesse sentido, no dia 10 de maio, de acordo com um comunicado.

"A declaração de insolvência da SPdH - Serviços Portugueses de Handling, S.A. (Groundforce), hoje proferida pelos Juízos de Comércio de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, é, para a TAP, a solução transitória que melhor permite restaurar a confiança na gestão da Groundforce", disse a empresa, na mesma nota.

"A companhia sublinha que esta decisão do Tribunal não determina, por si, a cessação automática dos contratos de trabalho dos trabalhadores da SPdH nem a suspensão dos contratos de prestação duradoura de serviços por parte da Groundforce, incluindo os serviços de assistência em escala à TAP", garantiu.

"Esta decisão resulta do pedido feito em 10 de maio, pela TAP, S.A., na qualidade de credora, com o objetivo de procurar salvaguardar a viabilidade e a sustentabilidade da empresa de 'handling', assegurando a sua atividade operacional nos aeroportos portugueses", referiu a companhia aérea.

Numa outra nota, publicada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), a TAP diz que, "caso tal se mostre viável, a possibilidade de continuidade da atividade da SPdH pode ser apreciada no quadro do processo de insolvência, sendo que os credores podem decidir pela aprovação de um plano de recuperação desta empresa".

"Sem prejuízo da possibilidade de impugnação da sentença nos termos previstos na lei, seguir-se-á a tramitação própria do processo de insolvência", indicou ainda a transportadora.

No dia 10 de maio, a companhia aérea destacou o "agravamento da situação financeira" da empresa de 'handling', a "inexistência de soluções credíveis para a possibilidade de obtenção de financiamento (em particular, face à recusa de financiamento e de prestação de garantia por parte da Caixa Geral de Depósitos e do Banco Português de Fomento)", a "recente decisão unilateral (e ilegal) da Groundforce de considerar inválidos e ineficazes os contratos celebrados em 19 de março de 2021 com a TAP, observando-se o seu incumprimento por falta de pagamento do aluguer dos equipamentos vendidos à TAP" e a "falta de condições que, na perspetiva da TAP, o acionista maioritário da Groundforce tem para restabelecer a confiança dos seus credores".

Em 18 de maio, a Groundforce considerou que o pedido de insolvência apresentado pela TAP deixa a empresa em "total estrangulamento" e pode conduzir à sua rutura operacional, deitando por terra os esforços que têm sido feitos para a salvar.

"Com o pedido de insolvência, caem por terra todos os esforços que temos feito para salvar a empresa. […] No preciso momento de retoma da atividade, pode conduzir à rutura operacional da empresa, ao afetar drasticamente a relação com os seus clientes, mas, sobretudo, com os seus fornecedores, que, perante essa decisão, ponderam suspender os fornecimentos, caso não haja pagamentos antecipados ou a pronto", afirmou o presidente de Conselho de Administração (CA) da SPdH/Groundforce, Alfredo Casimiro, em comunicado.

  • Greves paralisam operações nos aeroportos

Com o pagamento de salários a continuar a realizar-se de forma irregular, vários sindicatos decidiram avançar com uma greve em grande escala, no fim de semana de 17 e 18 de julho, que cancelou centenas de voos em todos os aeroportos nacionais.

Em causa estiveram paralisações convocadas pelos sindicatos dos Técnicos de Handling de Aeroportos (STHA), das Indústrias Metalúrgicas e Afins (SIMA) e dos Economistas (SE), dos Trabalhadores dos Transportes de Portugal (STTAMP), dos Trabalhadores dos Aeroportos Manutenção e Aviação (STAMA) e dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos (Sitava), Nacional dos Trabalhadores da Aviação Civil (SINTAC) e dos Quadros da Aviação Comercial (SQAC) e que se iriam repetir no final de julho e início de agosto, mas acabaram desconvocadas à medida que os pagamentos de salários e subsídios foram sendo assegurados ou efetuados. O STTAMP manteve, no entanto, um aviso para a segunda quinzena de agosto.

Groundforce
créditos: © 2021 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.
  • A solução

Neste momento, são duas as soluções para estabilizar de vez a Groundforce. A primeira, preferida do Governo, passa pela venda das ações que a Pasogal detém na Groundforce e que são atualmente detidas pelo banco Montepio, devido à penhora.

Ainda assim, o Governo está preparado para avançar "de imediato com as ações necessárias para garantir a mudança acionista indispensável para a viabilização da Groundforce", caso a venda das ações detidas pelo Montepio não se concretize.

Em comunicado, o Ministério das Infraestruturas e Habitação disse, em 21 de julho, que o Governo "tem a expectativa que a venda por parte do Montepio das ações da Pasogal, que tem em sua legítima posse, terá um desfecho positivo nos próximos dias".

"No entanto, caso essa venda não se concretize muito em breve, o Governo avançará de imediato com as ações necessárias para garantir a mudança acionista indispensável para a viabilização da empresa", acrescentou, sem adiantar mais detalhes.

Na mesma nota, a tutela referiu que "essa alteração da estrutura acionista permitirá também cumprir com o que é devido aos trabalhadores, nomeadamente, em matéria de progressões na carreira".

O Governo recordou que, "no seguimento da decisão do juízo central cível de Lisboa que declarou improcedente a providência cautelar interposta pela Pasogal para impedir o Montepio de alienar a participação na Groundforce, o Ministério das Infraestruturas e da Habitação vê reunidas as condições para uma resolução definitiva da instabilidade que se vive na empresa".

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