Pode uma história sobre cerveja começar com açaí? Pode, claro. O brasileiro Pedro Andrade chegou a Portugal, há mais de três anos, com um projeto bastante diferente daquele que lidera agora. Não criou uma cerveja de açaí, mas a sua ideia era trazer o fruto típico da Amazónia para o nosso país e deliciar os consumidores portugueses com produtos derivados do mesmo. Tinha tudo para ser promissor, no entanto problemas pessoais fizeram com que Pedro regressasse ao Brasil. Para trás ficava uma relação muito forte que tinha criado com o nosso país e o desejo de regressar com um projeto diferente. E foi isso que fez.
Encontrar a próxima grande ideia nunca é fácil, mas para Pedro surgiu com um exemplo que encontrou bem próximo de si, no Brasil. O Clube do Malte é uma empresa brasileira criada há 10 anos, responsável pela “maior plataforma online de venda de cerveja artesanal no mundo inteiro” e foi nela que o empreendedor brasileiro se inspirou para desenvolver o business plan que daria origem à Hops Club. No mercado brasileiro era praticamente impossível conseguir competir, mas, ao estudar o mercado português, encontrou alguns fatores que o poderiam levar a ser bem-sucedido:
- Há 10 anos surgiram as primeiras marcas de cerveja artesanal como a Praxis e a Sovina e mais tarde outras como a Musa, a Dois Corvos e a Nortada.
- Não existia nenhum clube nem nenhuma plataforma online dedicada à cerveja artesanal.
- O ecommerce em Portugal também estava ainda numa fase muito inicial e tinha tudo para crescer nos anos seguintes.
Se estiver a pensar que estas não são as características mais atrativas para um mercado, tem razão. Mas o co-fundador da Hops Club decidiu olhar para o tema de outra perspetiva. “Uma empresa tem vantagens em ser pioneira, traz mais oportunidades e é mais bem lembrada porque podes construir mais público e crescer de uma forma mais enraizada”, explica. Tinha encontrado, assim, o projeto com o qual podia regressar ao nosso país.
O business plan
O Business Model Canvas foi um documento criado para simplificar a estruturação de um negócio. Nele encontramos um conjunto de secções que, na sua essência, nos ajudam a responder a 5 questões importantes:
- Que valor estamos a trazer com o nosso serviço?
- A que tipo de clientes vamos providenciar esse valor?
- Como vamos comunicar o nosso serviço/produto a essas pessoas?
- Que infraestruturas e pessoas precisamos para fazer o nosso negócio acontecer?
- Como é que vamos fazer dinheiro e que custos vamos incorrer?
Para todas elas, Pedro Andrade tinha a lição bem estudada. “A parte boa do comércio online é que também tens mais facilmente acesso aos dados dos concorrentes que ajudam a que possas mais facilmente desenvolver um business plan, para validar o negócio”, refere.
Diversos estudos indicam que nos próximos anos o volume de álcool consumido irá diminuir, que cada vez mais os consumidores vão privilegiar a qualidade das cervejas e estarão dispostos a gastar um bocadinho mais por cada compra. Isto é a grande oportunidade que a maior parte das marcas de cerveja artesanal estão a tentar aproveitar, posicionando-se já em diversos nichos com um poder de compra acima da média. O objetivo da Hops Club é ser a plataforma onde as pessoas vão para adquirir cervejas artesanais não só portuguesas, mas do mundo inteiro. Na sua loja online, os clientes podem comprar cervejas avulso ou então optar por um de três modelos de subscrição de entrega, pelo período de um, três ou seis meses:
- O Taster, em que o subscritor recebe duas cervejas por mês.
- O Expert, em que o subscritor recebe quatro cervejas por mês.
- O Legendary, em que o subscritor recebe seis cervejas por mês.
A Hops não espera que as pessoas deixem de consumir as cervejas mais genéricas como a Super Bock ou a Sagres, mas acredita que vão cada vez mais ter cervejas de qualidade no frigorífico para uma ocasião especial, como fazem com uma garrafa de vinho ou de gin. Sem surpresa, o segmento de clientes-alvo da Hops Club, acaba por ser o mesmo das cervejas artesanais e a sua proposta de valor é fazer chegar a experiência das cervejas artesanais diretamente à casa das pessoas em vez destas terem de procurar num supermercado onde a oferta ainda é reduzida.
Para comunicação do seu serviço, Pedro considerou que, para além da habitual aposta em Google Ads e anúncios na rede Facebook, seria importante investir em conteúdo de qualidade, não só nas redes sociais, mas também numa área de blog dentro da plataforma que pudesse gerar tráfego para a sua loja online. “Só produzindo informação é que nos poderemos tornar numa autoridade. Vamos começar a produzir mais conteúdo e isso ajuda a evangelizar clientes”, partilha.
Por último, ao entrar num mercado e num setor onde não tinha praticamente contactos, teria de fazer um esforço adicional “para conhecer pessoas”, tal como aquele aluno que muda para uma nova escola onde tudo é novidade. Isto implicava desenvolver relações com marcas de cervejas artesanais portuguesas e marcas internacionais que estivessem interessadas no mercado português. Implicava também conhecer e identificar redes de distribuição que permitissem que o seu serviço fosse de um clique à porta de casa das pessoas. Exigia a presença em festivais de cerveja, os locais onde poderia apertar a mão de potenciais fornecedores e quem sabe clientes.
Passar da teoria à prática
Com mais três sócios, Pedro Andrade abriu assim a Hops Club em Portugal a 22 de Agosto de 2019. No primeiro dia de setembro, ganharam o primeiro subscritor, um momento emocionante para o fundador da Hops. “Só quem é empreendedor é que entende. Tem gente interessada no negócio. O olho brilhou”, confessa.
E, assim, continuou a seguir o plano à risca. No que diz respeito ao seu serviço, desenvolveu relações de perto com diversos cervejeiros, fornecedores e clientes para garantir que recebia feedback para fazer a seleção de cervejas ideal para os seus packs (privilegiando sempre as marcas portuguesas). “O nosso desafio é sempre captar mais clientes que gostem de cerveja e que tenham interesse em entrar neste universo de cervejas artesanais”, refere o fundador da startup.
Como é a Hops Club que escolhe aquilo que cada subscritor recebe em casa, tem tentado desde o início dar a maior variedade de cervejas possível aos seus clientes. Isto porque a seguir a cada entrega, o cliente é convidado a responder a um inquérito onde pode escolher as cervejas que mais gostou e aquelas que não foram do seu apreço, tudo informações que a Hops utiliza para entregar um pack mais personalizado na próxima vez. (p.s: as Ipas costumam ser o tipo de cerveja que mais clientes gostam). Quanto mais o cliente gostar do pack que recebe, maior será a probabilidade de se manter como subscritor no mês seguinte.
E, durante os primeiros meses, de uma forma geral, estava tudo a correr bem. Até chegar a pandemia.
“A pandemia fez o ecommerce avançar 5 anos em Portugal”, diz Pedro Andrade. Mas isso não significou necessariamente boas notícias para o seu negócio.
- As dificuldades financeiras de muitas famílias fizeram com que as cervejas artesanais se tornassem em muitos casos uma despesa desnecessária.
- A concorrência que as grandes retalhistas faziam tornou-se ainda maior porque investiram mais no digital e passaram elas próprias a vender mais cervejas artesanais, em adição às mais populares que já disponibilizavam.
- Muitas marcas de cerveja artesanal decidiram cortar os intermediários e lançar as suas próprias lojas online.
- Houve uma necessidade de repensar a estratégia de comunicação e perceber de como podia fazer mais com menos.
Estes fatores levaram a que, no auge da pandemia, a Hops Club perdesse alguns subscritores, apesar de ter observado um crescimento nas vendas individuais na sua loja online. No entanto, isto não desanimou Pedro Andrade, que acredita que a sua empresa tomou os passos certos para sobreviver a este período menos bom. A Hops conta atualmente com 130 subscritores, sendo que uma parte considerável já utiliza o serviço há mais de um ano. Isto deve-se à preocupação do CEO de tentar contactar ao máximo com os seus clientes e descobrir formas de melhorar o seu serviço.
Por outro lado, nas palavras de Pedro Andrade, o aparecimento de nova concorrência pode acabar por ser algo positivo, na medida em que se a procura por cervejas artesanais aumentar em Portugal por essa razão, a Hops Club terá oportunidades de capitalizar essa nova onda de clientes. “Em Portugal, a cerveja artesanal representa 1% de toda a cerveja consumida. Em Inglaterra, este valor é de 20%”, diz o empreendedor brasileiro ao explicar que o potencial que identificou no seu business plan continua a existir.
Como enfrentar o futuro
Atualmente, a Hops Club está presente em Lisboa, no Porto e em Coimbra, os principais pólos da cerveja artesanal em Portugal, e quer continuar a crescer no nosso país não só nessas cidades, mas também noutras. Em termos de expansão internacional, o primeiro mercado-alvo é o espanhol, com o qual, de acordo com o CEO da Hops Club, poderia partilhar algumas sinergias que facilitariam a transição. Outro “plus” é o facto de Espanha ter um ecossistema de cervejas artesanais bem mais robusto e maduro do que o português, onde existem pelo menos dez plataformas/clubes como aquela que o Hops desenvolveu em Portugal. Quer no crescimento em Portugal, quer na expansão ibérica, uma coisa é certa: só será possível, se o Hops Club for capaz de atrair algum financiamento externo e é para isso que vai trabalhar nos próximos meses.
Há depois que repensar também o modelo de negócio e as estratégias de comunicação que vão levar pessoas à sua plataforma. A pandemia ensinou à Hops que um crescimento sustentável poderá passar por um equilíbrio entre a aquisição de subscritores, mas também pela promoção de cada vez mais compras espontâneas na sua plataforma. Para isto, Pedro Andrade diz que a sua empresa vai apostar cada vez mais no “inbound marketing”, isto é, em conteúdos online sobre cerveja que geram tráfego para a sua plataforma e uma audiência onde possam estar potenciais clientes, sejam eles futuros subscritores ou apenas entusiastas à procura de uma das dezenas de marcas artesanais que a Hops Club oferece na sua loja online. “Acredito no investimento em informação, no investimento em conteúdo e tudo isso são direcionamentos que vão acontecer, juntamente com a oferta de novos produtos”, remata. Neste âmbito, também se incluem parcerias com bares, com eventos ou mesmo a organização de workshops, que permitam fomentar a relação com clientes.
O que não vai acontecer são colaborações com “marcas mainstream”. De acordo com o CEO da Hops Club, muitas delas já se estão a adaptar à progressiva popularidade da cerveja artesanal. A Super Bock lançou a marca Coruja, a Heineken comprou a Trindade e a Estrella Galícia adquiriu a Nortada - são só alguns exemplos desta tendência no mercado. Para si, o foco está em ajudar marcas que se mantenham 100% artesanais e que vejam na sua plataforma a oportunidade de escalar o seu negócio.
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