Na sua intervenção inicial na comissão de inquérito ao Novo Banco, Fernando Ultrich recordou uma entrevista dada ao Expresso em setembro de 2014, na qual disse esperar que o Banco de Portugal tivesse "feito bem as contas" e não acreditar que "em dois ou três anos" o banco pudesse "estar melhor".

"Infelizmente tive razão nestas duas afirmações", disse hoje aos deputados, na intervenção inicial que fez na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução.

Para o atual presidente do Conselho de Administração do BPI, uma "questão relevante" é saber se as perdas no Novo Banco "foram geradas até agosto de 2014", ou depois.

"Não tenho elementos para responder com precisão, mas a minha impressão, a minha perceção, a minha sensação, com base na minha experiência e daquilo que fui observando, é que uma parte muito significativa destes 16,4 mil milhões de euros de capital utilizados para cobrir prejuízos, se deveu a decisões tomadas antes de agosto de 2014", disse o economista.

No fecho da sua intervenção inicial, de cerca de 25 minutos, o antigo presidente executivo do BPI disse que "à tragédia causada pela gestão do banco seguiu-se, a partir de agosto de 2014, uma história de sucesso".

No entanto, Fernando Ulrich considerou que "o esforço de capitalização do banco foi mal e injustamente distribuído", uma vez que "a participação dos credores deveria ter sido bem maior e a do Fundo de Resolução muito mais pequena".

Durante a sua intervenção, Fernando Ulrich considerou ainda que a transmissão de obrigações feita no final de 2015 deveria ter sido maior, algo que "defendia ainda mais o interesse público do que aquilo que foi feito".

"Admito que tenha havido causas fortes para que não tenha sido da forma que eu gostaria", concluiu.

Fernando Ulrich disse também que os "principais acionistas" do BES "foram responsáveis porque não controlaram nem supervisionaram adequadamente a atuação dos órgãos de administração".

O gestor disse ainda, sobre as necessidades do Novo Banco, que "visto de agora, junho de 2021", foi "melhor que o problema tenha sido resolvido gradualmente e por fases".

O gestor considerou também que a regulação e supervisão bancárias atuais "em Portugal e na zona euro são fortíssimas, competentes, independentes e muito intrusivas".

"Se houve coisas que não correram bem no passado, estão ultrapassadas. É um problema resolvido", afirmou.

BPI queria criação de “um outro banco mau” quando esteve interessado na compra

Fernando Ulrich foi também questionado pelo deputado do PS João Paulo Correia sobre o facto de o BPI ter estado interessado na compra do Novo Banco das duas vezes, quer na venda falhada de 2015 quer na que se efetivou em 2017.

“Na segunda venda, que depois terminou com a operação com a Lone Star, no documento de trabalho que entregámos ao Fundo de Resolução, a entidade que estava a vender, aí sim, fazíamos considerações desse tipo sobre as dúvidas que tínhamos, sobre a qualidade dos ativos do banco e aquilo que não gostávamos de comprar, digamos assim”, assumiu.

De acordo com Fernando Ulrich, o BPI não apresentou a modalidade de “capital contingente” e aquilo que pretendia era que, “havendo um conjunto de ativos relativamente aos quais” o banco ou não gostava ou tinha muita dificuldade em avaliar, aquilo que foi proposta à equipa que tratava da venda era que esses ativos fossem retirados do banco.

“Criem outro banco mau porque o primeiro banco mau não absorveu a totalidade daquilo que era o conjunto de ativos maus que havia no BES e fica só banco bom. Então vamos discutir só o banco bom porque, se tivermos só a discutir o banco bom, será mais fácil entendermo-nos quanto aos valores porque a margem de diferença de opinião será muito menor”, relatou.

No entanto, o antigo presidente executivo do BPI assumiu que “eram montantes maiores do que a proteção que a Lone Star pediu” e, para tirar ativos do balanço do banco, “era preciso compensar isso com capital”.

“E, portanto, o esforço que seria pedido era maior por isso é que eu digo: penso que a operação com a Lone Star foi uma boa operação naquele momento e naquelas circunstâncias”, assumiu.

Fernando Ulrich disse ainda que o BPI entrou na primeira tentativa de venda do Novo Banco em 2015, “mas foi excluído na passagem da primeira para a segunda fase”.

“Houve uma primeira fase em que éramos à volta de 14 entidades que levantaram o dossier e depois tínhamos que preencher determinadas condições para passar à fase seguinte e nós não passámos. Estudámos o assunto, mas ficámos bastante aquém”, recordou.

Relação do BES com BESA gerava "grande interrogação" a Fernando Ulrich

O antigo presidente executivo do BPI Fernando Ulrich disse hoje no parlamento que lhe gerava "grande interrogação" o porquê do BES ter quase três mil milhões de euros em créditos no BES Angola.

"A mim levantava uma grande interrogação porque é que ao nosso lado havia um banco com base em Portugal que chegou a ter quase três mil milhões de euros em créditos concedidos ao banco em Angola", disse Fernando Ulrich, comparando a relação do BES e BESA com o BPI e o BFA, também angolano.

"Nunca consegui entender para que é que isso servia, para que é que faziam isso, como é que avaliavam isso", respondeu ao deputado João Paulo Correia (PS).

Fernando Ulrich afirmou também que "provavelmente", se se olhasse "para outros bancos portugueses que tinham participações ou controlavam bancos em Angola", as operações "eram mais parecidas com as do BPI do que com a do Banco Espírito Santo".

"O BPI nao precisava de emprestar dinheiro ao BFA", referiu, salientando até que "naquela altura o BFA é que tinha crédito sobre o BPI, na medida em que uma parte significativa das suas reservas eram em dólares", tendo "permanentemente centenas de milhões de dólares depositados" no banco português.

Segundo Fernando Ulrich, "olhar para o balanço conjunto do BPI-BFA e BES-BESA eram duas realidades de tal maneira diferentes que, pelo menos, suscitavam muita interrogação e curiosidade".

O crédito do antigo BES ao BES Angola (BESA) é dos temas mais polémicos quanto às perdas assumidas pelo Novo Banco.

A exposição do BES ao BESA entre 2008 e 2014 passou de 1.700 para 3.300 milhões de euros, sendo correspondente a 47% dos fundos próprios do BES à data da resolução do banco português, em agosto de 2014.

A exposição do BES ao BESA esteve coberta, até pouco depois da resolução do BES, por uma garantia soberana de Angola, assinada pelo Presidente da República de então, José Eduardo dos Santos, e cuja validade foi reiterada pelo ministro das Finanças, Armando Manuel, tendo depois sido revogada.