Em causa está a autorização de uma nova transferência de 850 milhões de euros para o Novo Banco, que terá sido autorizada pelo ministro das Finanças, Mário Centeno, sem o conhecimento do primeiro-ministro — o que aliás levou o António Costa a desculpar-se ao BE — e sem que estivesse concluída a auditoria a essa instituição. O caso já levou o Bloco de Esquerda a anunciar que o partido vai voltar a apresentar uma proposta para que o Parlamento tenha de autorizar novas transferências do fundo de resolução.

Esta terça-feira, em declarações à TSF, Mário Centeno assumiu que quando o primeiro-ministro respondeu ao Bloco de Esquerda, no Parlamento, dando garantias de que não haveria injeções de capital no Fundo de Resolução sem que estivesse concluída a auditoria em curso, “o primeiro-ministro não tinha a informação que a injeção tinha acontecido no dia anterior e acho que é essa a dimensão em que pedido de desculpas [ao Bloco de Esquerda] decorre", disse Centeno.

Assumindo que houve aqui uma "falha de comunicação", que considera "fácil de resolver, o ministro das Finanças ressalva que uma "falha financeira teria caráter desastroso".

“Se uma falha de comunicação é simples de corrigir, já uma falha financeira teria uma caráter absolutamente desastroso para o sistema financeiro e bancário em Portugal”, disse.

Segundo Mário Centeno, "o [valor de] 850 milhões de euros é o empréstimo", que será pago no futuro, e que "estava registado e inscrito no Orçamento do Estado".

Explica o Expresso que de acordo com os termos previstos no contrato, o Estado pode ter de emprestar cerca de 900 milhões de euros (através do Fundo de Resolução) ao Novo Banco. Questionado sobre a proposta do Bloco de Esquerda, de fazer depender uma nova injeção de capital da aprovação do Parlamento, Centeno disse que não mudou de opinião.

"Portugal não pode pôr um banco em risco. Seria uma irresponsabilidade gigantesca. Não mudei de opinião: não podemos incumprir o contrato, assim como o Novo Banco não pode", disse.

Ainda sobre esta matéria, o ministro das Finanças salientou que "não há um único euro de desrespeito pelos contribuintes”.

Já sobre a posição em que fica a sua relação com António Costa depois desta situação, Mário Centeno destacou que "este ministro das Finanças e primeiro-ministro têm a relação institucional mais longa da democracia (...). Não temos de pedir desculpa por trabalhar em conjunto".

"A minha relação política com o primeiro-ministro, membros do Governo, Assembleia da República e órgãos de soberania é de enorme transparência e lealdade face ao que é o esforço em atingir objetivos que o Governo tem e não vejo sinal que possa ter sido abalada", disse.

O governo explicou no dia 8 de maio que a nova injeção feita no Novo Banco segue o que “está predefinida no contrato” de venda da instituição bancária, em 2017, garantindo tratar-se de um empréstimo ao Fundo de Resolução.

“O Novo Banco foi vendido em 2017 e […] existe um contrato que determina que, mediante a apresentação das contas do Novo Banco e depois de serem auditadas pelos auditores do Novo Banco, verificadas pela agência de verificação, validadas pela comissão de acompanhamento e aprovadas pelo Fundo de Resolução, exista lugar a injeções de capital”, declarou à data o secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix.

Falando aos jornalistas portugueses em Bruxelas por videoconferência, após uma reunião do Eurogrupo, o responsável notou que, “não tendo o Fundo de Resolução meios suficientes por si para fazer essas injeções de capital, pode – e é o caso – financiar-se junto do Tesouro e pedir um empréstimo”.

“As contas do Novo Banco foram apresentadas na altura […] e o momento em que são feitas as injeções não varia muito de ano para ano”, acrescentou Ricardo Mourinho Félix, garantindo que a nova injeção agora conhecida vem no seguimento do que “está predefinido no contrato”.

O dinheiro recebido pelo Novo Banco para se recapitalizar totaliza 2.978 milhões de euros desde 2017, depois de hoje o Governo ter confirmado que foi feita nova injeção de capital pelo Fundo de Resolução bancário.

O dinheiro transferido esta semana para o Novo Banco pelo Fundo de Resolução (entidade financiada pelos bancos que operam em Portugal que consolida nas contas públicas) foi feito ao abrigo do mecanismo acordado na venda do Novo Banco à Lone Star (em 2017), pelo qual o Fundo de Resolução compensa o banco por perdas em ativos com que ficou na resolução do BES.

Contudo, uma vez que o Fundo de Resolução não tem o dinheiro necessário às injeções de capital no Novo Banco, todos os anos pede dinheiro ao Estado, indo devolver o empréstimo ao longo de 30 anos.

Desta vez, dos 1.037 milhões de euros que o Fundo de Resolução pôs no Novo Banco, 850 milhões de euros vieram diretamente do Estado.

Também em 2018, dos 1.149 milhões de euros postos no Novo Banco, 850 milhões de euros vieram de um empréstimo do Tesouro.

Já referente a 2017, dos 792 milhões de euros injetados, 430 milhões de euros vieram de um empréstimo público.

No total, o Novo Banco já recebeu 2.978 milhões de euros do Fundo de Resolução para se recapitalizar, dos quais 2.130 milhões de euros foram de empréstimos do Tesouro.

O mecanismo pelo qual o Novo Banco pode ser recapitalizado pelo Fundo de Resolução bancário foi criado em 2017.

Em outubro desse ano foi concretizada a alienação de 75% do Novo Banco ao fundo de investimento norte-americano Lone Star, em 75%, mantendo o Fundo de Resolução bancário 25%. O Lone Star não pagou qualquer preço, tendo injetado 1.000 milhões de euros no Novo Banco.

"Não vejo neste momento nenhuma empresa que tenha a necessidade imperiosa de ser nacionalizada”

Ainda durante esta entrevista, Mário Centeno referiu-se à eventualidade de ser necessário nacionalizar a TAP.

Salientando que deve ser dada a "maior atenção" à companhia pela sua posição estratégica para o país, Centeno disse que é preciso informação para saber o tipo de intervenção necessária.

"Não temos um número nem uma sequência de números e precisamos de saber quando é que estes montantes são necessários", disse.

Não há, todavia, portas fechadas: "A intervenção do Estado na economia é extraordinariamente importante, mas presença nos setores de iniciativa privada sempre foi defendida e apoiada", mas "em situações concretas [é possível] fazer o que há uns meses achávamos impensável".

Porém, diz não ver "nenhuma empresa que tenha a necessidade imperiosa de ser nacionalizada”.

O primeiro-ministro, António Costa, assegurou na semana passada que só haverá apoio à TAP com "mais controlo e uma relação de poderes adequada", mas assegurou que a transportadora aérea continuará a "voar com as cores de Portugal".

"O Estado não meterá - nem sob a forma de garantia, injeção de capital ou empréstimo - um cêntimo que seja na TAP sem que isso signifique mais controlo e uma relação de poderes adequada a esse apoio que vier a conceder", garantiu o primeiro-ministro.

Atualmente, devido à pandemia de covid-19, a TAP tem a sua operação suspensa quase na totalidade e recorreu ao 'lay-off' simplificado dos trabalhadores.

Desde 2016 que o Estado (através da Parpública) detém 50% da TAP, resultado das negociações do Governo de António Costa com o consórcio Gateway (de Humberto Pedrosa e David Neeleman), que ficou com 45% do capital da transportadora.

Os restantes 5% da empresa estão nas mãos dos trabalhadores.

Recandidatura à presidência do Eurogrupo? “Atempadamente tomarei a decisão”

Questionado sobre a notícia avançada pelo jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung, segundo o qual Centeno não vai candidatar-se a um segundo mandato como presidente do fórum de ministros das Finanças da zona euro, alegadamente pelo cansaço provocado pela carga excessiva de trabalho também decorrente da acumulação de pastas, Centeno disse hoje nesta entrevista que se trata de uma notícia “sem fontes, sem afirmações que eu tenha dito”.

“Atempadamente teremos essa decisão. O final do mandato é no dia 13 de julho”, acrescentou, reiterando a posição assumida a 8 de maio e divulgada pelo seu porta-voz.

No final desta entrevista, Mário Centeno assumiu ainda, no âmbito da resposta do Executivo à pandemia que pode haver necessidade de apresentar um orçamento suplementar, que deverá ser apresentado “até ao final do primeiro semestre” para dar “tradução financeira a medidas que já adotamos” e que deverá ter em conta a resposta europeia à covid-19.

Esta ideia já tinha sido transmitida pelo ministro em entrevista à RTP onde disse que o Governo prevê fazer a apresentação de um orçamento suplementar "nos próximos dois meses, no limite, no final do primeiro semestre". "É preciso garantir o financiamento do Estado e perceber quais são as áreas que precisam de reforço orçamental", adiantou.

Ministro estima perda de receita de 10 mil milhões de euros este ano

O ministro das Finanças estimou hoje, em entrevista à TSF, uma perda de receita de 10 mil milhões de euros este ano e admitiu que terão de ser repensadas medidas previstas para 2021 como aumentos na função pública.

“Vai ter de ser tudo repensado", disse Mário Centeno em entrevista à rádio TSF, considerando que as medidas terão de ser repensadas à medida da perna que "infelizmente encurtou".

Segundo Centeno, perante a gravidade da crise há que ter "humildade" de refazer planos.

O governante indicou que as suas estimativas apontam para uma “elevada perda de receita” pelo Estado, a qual “vai ser muito próxima dos 10 mil milhões de euros até final do ano”.

“Este número tem de ser melhor enquadrado também com a resposta europeia, percebemos o quão importante são as respostas europeias para sair da crise”, disse.

Quanto ao aumento extraordinário das pensões previsto para maio, Centeno disse que ia repetir as palavras do primeiro-ministro, António Costa, de que “o Orçamento do Estado é para cumprir”.

Já questionado sobre se haverá austeridade, Centeno afirmou que neste momento o que o Governo está a fazer "é o contrário de austeridade", considerado que é importante acordar no que significa austeridade, definindo como "fazer cortes em períodos recessivos".

"Estamos a fazer o contrário disto. O que aí vier depende do caráter mais ou menos temporário desta recessão", acrescentou.

Sobre o orçamento suplementar, Mário Centeno admitiu que será necessário, explicando que esse orçamento suplementar não implica refazer todo o orçamento.

O que será feito é “adequar os ‘plafons’ orçamentais às medidas que estamos a adotar e que pensamos adotar”, afirmou, referindo como fundamentais alterações no financiamento da Segurança Social e da Saúde.

Sobre se serão canalizadas verbas de uns ministérios para outros, Centeno admitiu que poderá ser feito “desde que não ponha em causa as políticas essenciais de cada ministério”.

O normal é substituir governador do Banco de Portugal no fim do mandato

O ministro das Finanças disse hoje, ainda em entrevista à TSF, que o normal é que o governador do Banco de Portugal seja substituído no final do mandato, que termina em julho deste ano.

“O que e canónico é que haja substituição no final do mandato e que isso possa vir a acontecer”, disse Centeno, na entrevista à TSF.

Contudo, acrescentou, o governador “não está obrigado a sair no dia em que o mandato termina”.

“Algum tempo antes vamos falar sobre isso, é uma decisão que cabe ao Governo, temos de ver isso no Governo”, afirmou.

O governador do Banco de Portugal é nomeado por resolução do Conselho de Ministros por um mandato de cinco anos, que pode ser renovável por uma vez.

Carlos Costa é governador do Banco de Portugal desde julho de 2010, quando foi nomeado pelo governo PS de José Sócrates, tendo sido o seu mandato renovado em julho de 2015 pelo governo PSD/CDS-PP de Passos Coelho.

Mário Centeno falou ainda, na entrevista à TSF, sobre a Caixa Geral de Depósitos (CGD), referindo que o banco público não tem problemas de rácios de capital, ao contrário – disse – do que havia antes da recapitalização (2016).

"A Caixa tem uma capitalização muito robusta, um plano de negócios que está a cumprir, para além do desenhado", afirmou, referindo que os resultados do primeiro trimestre que o banco apresentará esta semana serão "positivos provavelmente".

*Com agências