
“Esta lista de espera até pode fazer com que a pessoa morra antes de ter a primeira consulta e, infelizmente temos casos desses na associação”, disse à agência Lusa o presidente da ADEXO, Carlos Oliveira, observando que está situação já aconteceu “várias vezes: Não é uma nem duas”.
Segundo Carlos Oliveira, estas mortes estão associadas a complicações graves decorrentes da obesidade, como diabetes, apneia do sono, doenças cardiovasculares, problemas articulares.
“As pessoas, infelizmente, só procuram ajuda quando já têm problemas complicados”, porque a obesidade tem este padrão de que as pessoas estão bem até muito tarde”, e se tiverem de esperar dois ou três anos por uma primeira consulta, “podem ter problemas gravíssimos”.
Além disso, durante esse tempo de espera para consulta ou para cirurgia, o doente recorre frequentemente aos serviços de urgência, disse Carlos Oliveira, defendendo que se fossem tratados atempadamente, muitas destas situações podiam ser evitadas, o que também aliviaria a pressão sobre os hospitais e nos centros de tratamento.
Mas, salientou, a situação é especialmente preocupante nas consultas de obesidade infantil, que apenas existem em algumas regiões do país, obrigando as famílias a deslocações constantes a hospitais de outras cidades.
“Uma criança de Faro, que não tem tratamento infantojuvenil para a obesidade, tem que vir a Évora, a Lisboa ou a Santarém”, os três locais onde existe esse apoio, exemplificou.
Como a abordagem é multidisciplinar, envolvendo consultas de nutrição, psicologia, endocrinologia, o doente tem de fazer três ou quatro viagens para se tratar, representando um grande encargo financeiro e logístico para as famílias.
Carlos Oliveira defendeu a criação de mais centros de tratamento no país, para reduzir custos e facilitar o acesso aos cuidados.
O presidente da ADEXO apela assim ao novo Governo para que comparticipe “os medicamentos para o tratamento da obesidade para pessoas que precisam mesmo, não para casos de moda”.
“Isso é uma das medidas que estamos à espera, até porque a situação atual é de discriminação. A pessoa com indicação para cirurgia tem um tratamento integralmente pago”, enquanto a que tem apenas indicação apenas para tratamento farmacológico, “não tem apoio nenhum”.
Para Carlos Oliveira, “pessoas com a mesma doença não podem ser tratadas de maneira diferente: É uma discriminação que o próprio Estado está a fazer a estas pessoas”.
“Por isso, esperemos que este Governo dê continuidade ao trabalho que se estava a fazer e que ainda durante este ano haja uma comparticipação dos medicamentos”.
Falhas no encaminhamento de doentes não ajudam
Doentes relatam que ainda há médicos que não os encaminham para tratamento da obesidade, aconselhando apenas a “comer menos e mexer-se mais”, agravando um problema de saúde pública, com custos diretos anuais superiores a 1,14 mil milhões de euros.
O alerta foi feito hoje à agência Lusa pelo presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO), José Silva Nunes, a propósito do Dia Nacional da Luta Contra a Obesidade, assinalado este sábado.
Questionado se a falta de médicos de medicina geral e familiar nos cuidados de saúde primários pode ser um entrave ao início do tratamento, o endocrinologista afirmou “claramente que sim”, mas sublinhou que “a barreira ainda é maior” se o médico não reconhecer a obesidade como uma doença.
“Tenho alguns doentes que reportam isso, que tiveram dificuldade que o médico os encaminhasse para tratamento, seja cirúrgico, seja não cirúrgico, porque o que lhes era dito é que tem que comer menos e mexer-se mais”, contou.
José Silva Nunes lamentou que não haja “um reconhecimento da base neurobiológica da obesidade por muitos profissionais de saúde, médicos e não médicos”.
“Obviamente que a dificuldade de acesso aos cuidados de saúde primários é uma barreira, mas mesmo havendo essa acessibilidade, é importante que o profissional de saúde (…) reconheça que [a obesidade] é mesmo uma doença e que depois trate o doente”, precisou.
“Se não tem meios para tratar, deve encaminhar essas pessoas para tratamento. Agora, o que não podemos é fechar os olhos a este problema, não reconhecendo a existência desta doença e deixando que estas pessoas continuem sem tratamento”, alertou.
O especialista adiantou que há um esforço para melhorar o acesso ao tratamento, com o lançamento, ainda este ano, do percurso de cuidados integrados da pessoa com obesidade da Direção-Geral de Saúde, que definirá o modelo de atendimento e de seguimento do doente nos cuidados de saúde primários e hospitalares.
Alertou, por outro lado, para o aumento da prevalência da obesidade, com “uma repercussão brutal em termos da saúde global das populações”, uma vez que é fator de risco para mais de 200 doenças, entre as quais cardiovasculares, cancro e respiratórias.
“Apesar de todas as medidas tomadas em termos de prevenção, a realidade nacional e internacional é que se trata de uma doença cuja expressão não para de aumentar, o que cria um problema grave em termos dos sistemas de saúde”, afirmou.
Sublinhou que a prevenção é “uma arma extremamente importante”, mas “falha muitas vezes e quando falha surge a doença” que é necessário tratar, representando “um peso grande nos sistemas de saúde”.
”Temos agora fármacos que são muito mais potentes para tratar a obesidade, mas são caros e não são comparticipados, limitando grandemente a acessibilidade das pessoas que padecem desta doença a um tratamento eficaz”, lamentou.
Embora reconheça os custos desta comparticipação para o Estado, defendeu que, a médio e longo prazo, terá benefícios em termos de custo-efetividade, sendo necessário dar “o primeiro passo”.
“A cirurgia, apesar de tudo, o SNS ainda providencia a custo zero. É verdade que há longos tempos de espera, mas há uma luz ao fundo do túnel. Em relação aos fármacos, não havendo comparticipação (…) é mesmo a impossibilidade no atingimento dessa arma terapêutica”, assinalou.
José Silva Nunes realçou os elevados custos que comporta tratar a obesidade, mas não a tratar implica também “custos extremamente elevados”, em termos de todas as outras doenças que advêm da obesidade.
A prevenção passa pelas escolas
Para assinalar a data, a ADEXO, juntamente com a Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil e a Associação Portuguesa dos Bariátricos, estão a realizar durante este mês uma ação de educação e sensibilização em mais de 50 escolas do país, envolvendo mais de 3.500 alunos.
Segundo as associações, esta ação pretende impactar jovens, pais, educadores e cuidadores e ajudar as famílias a encarar a obesidade como uma doença crónica com a mesma relevância e oportunidades de prevenção e tratamento que outras como asma, diabetes ou hipertensão.
“Embora seja considerada uma doença crónica em Portugal há mais de 20 anos, a obesidade é associada a estigma e discriminação e continua a ser subdiagnosticada e subtratada”, alertam.
Em 2022, o excesso de peso afetava 37,3% da população adulta portuguesa e a obesidade 15,9%. A obesidade infantil atinge também proporções elevadas em Portugal, com o excesso de peso a atingir os 31,9% das crianças e a obesidade 13,5%.
Redes sociais: um perigo para quem precisa de perder peso
O presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO) manifestou hoje preocupação com a proliferação de publicações nas redes sociais em que influenciadores partilham planos alimentares, treinos intensivos e promessas de emagrecimento rápido.
“Na grande maioria, é uma grande charlatanice. As pessoas embarcam em aventuras que às vezes são bastante dispendiosas e esquecem-se de um princípio básico, que é o organismo da pessoa que tem obesidade”, afirmou José Silva Nunes, que falava à agência Lusa a propósito do Dia Nacional de Luta Contra a Obesidade, assinalado no sábado.
O endocrinologista explicou que a pessoa até pode tentar perder peso, mas o organismo tende a reagir no sentido de recuperar os quilos perdidos.
“Sem uma ajuda farmacológica que vá mexer no ponto de controlo do peso corporal, a pessoa até pode fazer exercício extremo, dietas mirabolantes, mas não as consegue fazer para a vida toda”, salientou.
José Silva Nunes recordou o exemplo do programa norte-americano The Biggest Loser, um ‘reality show’ em que pessoas obesas perderam dezenas de quilos, e nalguns casos mais de 100, em poucos meses, o que constituiu “uma prova de uma situação extrema”.
Seis anos depois verificou-se que tinham recuperado o peso: “É a natureza das pessoas a funcionar”, comentou, sublinhando que este tipo de intervenções estão “condenadas ao insucesso” a médio prazo.
“O organismo tem um ‘set point’ para um determinado peso” e quando há uma perda abrupta de peso, o corpo interpreta isso como uma ameaça à sobrevivência e ativa todas os mecanismos para recuperar os quilos perdidos, explicou.
É neste ponto que os medicamentos atuam, sendo por isso um dos pilares do tratamento da obesidade, disse, defendendo a importância do Estado comparticipar estes fármacos para combater a obesidade, uma doença que afeta 15,9%% dos adultos portugueses, enquanto o excesso de peso atinge 37,3% da população adulta.
Também o presidente da ADEXO - Associação Portuguesa de Pessoas que Vivem com Obesidade, Carlos Oliveira, alertou para os perigos das soluções temporárias, “que não vão resolver nada”.
“Há uma coisa que é importante que as pessoas metam na cabeça: a obesidade é uma doença crónica. Não tem cura. Aquilo que as pessoas necessitam é de uma alteração de vida, para a vida toda, até que eventualmente apareça um medicamento que vá no sentido da cura”, disse Carlos Oliveira.
Sublinhou ainda que todos os produtos e métodos atualmente disponíveis, inclusive as cirurgias, são para ajudar a controlar a doença e não para a tratar.
“Por isso, tudo aquilo que é temporário”, em que se prometem resultado em um ou dois meses “é pura mentira, porque não é tratamento nenhum”, disse, avisando que, quando a pessoa interrompe essa prática, vai ficar “com muito mais peso do que o que tinha”.
Então qual é a solução?
Carlos Oliveira defendeu, por isso, que deve controlar-se a obesidade de uma forma duradoura, levando em consideração que, por ser uma doença crónica, sem cura, exige soluções sustentáveis para a vida, e não promessas que só pioram a situação.
Os presidente da SPEO e da ADEXO quiserem deixaram mensagens claras no âmbito da efeméride.
“A minha mensagem é o reconhecimento incondicional de que a obesidade é uma doença no papel, mas também em ação”, disse José Silva Nunes, defendendo que tem que ser tratada com medidas efetivas, baseadas em conhecimento científico, “e não embarcar em charlatanices”.
Carlos Oliveira dirigiu-se tanto à população como ao Estado. À população deixou o apelo para que controlem o excesso de peso o quanto antes, evitando que evolua para situações mais graves com doentes associadas.
Ao Estado, que o novo Governo comparticipe os medicamentos ainda este ano e tome medidas para “reduzir os tempos de lista de espera que estão fora de todo o controlo”.
*Com Lusa
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