“Eu também achava que o relatório da EY tinha sido decisivo para estas avaliações [sobre os créditos], até que vou procurar nos documentos enviados ao parlamento e encontro uma auditoria do Banco de Portugal de 2011”, disse Mariana Mortágua durante a comissão parlamentar de inquérito à CGD, na Assembleia da República, em Lisboa.
Nesse documento do Banco de Portugal, a deputada afirmou ter encontrado informação “sobre os contratos mais precisa e minuciosa” do que na auditoria da EY e essa informação contém referências explícitas a grandes devedores da CGD, como o empresário Joe Berardo, a Investifino, o Grupo Espírito Santo ou o grupo Goes Ferreira.
As declarações foram feitas durante a audição ao governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, numa sessão que teve início pelas 18:00.
A deputada bloquista citou várias partes do relatório de auditoria do supervisor, que incluíam considerações sobre “critérios pouco prudentes na avaliação das garantias” no cálculo de imparidades individuais ou sobre valorização de ações, o que “não é aceitável na medida em que não reflete o justo valor dos títulos”.
De acordo com a auditoria mencionada por Mariana Mortágua, o documento dá como exemplo o empresário Joe Berardo na “consideração dos avales pessoais sem que haja avaliação do património do avalista”.
“A consideração de uma potencial mais-valia a utilizar pelo mutuário para consideração de garantia na amortização da dívida" também é mencionada pela auditoria no caso do grupo Investifino, "assumindo que este exerce a opção de compra de ações da Cimpor, contratada pela CGD, e vende as mesmas a um preço superior sem que haja certeza quanto à concretização dessas transações”.
Ainda sobre a empresa de Manuel Fino, a auditoria do BdP citada por Joana Mortágua refere que “não foram encetadas negociações, nem feitas insistências para obter reforços de garantia”, apesar “do rácio de cobertura total ter chegado a valores muito baixos”.
Relativamente ao Grupo Espírito Santo, de acordo com a auditoria citada pela parlamentar do BE, o supervisor identifica a Espírito Santo International Holding como exemplo da “inexistência de penhor efetivo das ações dadas em garantia de alguns créditos”.
Sobre o grupo Goes Ferreira, o documento aponta que “os documentos internos de proposta e aprovação de crédito estabelecem um prazo e uma finalidade diferentes do que ficou no contrato”.
A auditoria refere, igualmente, “o não reconhecimento de imparidades individuais em situações em que existe existência objetiva de imparidade, nomeadamente por não existir cumprimento dos rácios de cobertura contratados”.
Nas conclusões do documento mencionado pela deputada do Bloco, está escrito que, “apesar de existirem muitos contratos com rácios em incumprimento desde há algum tempo, nas atas do Conselho de Administração [da CGD] não constam deliberações específicas sobre esta matéria”.
O documento também conclui que, “raramente, estas operações obtiveram parecer favorável da direção de risco” do banco público e que se constatou que “grande parte dos créditos analisados foi aprovado em condições diferentes preconizadas pela DGR [Direção-Geral de Risco]”.
“Todas as conclusões da auditoria do Banco de Portugal em 2011 são iguais às da EY em 2019”, concluiu Mariana Mortágua.
Na reação, Carlos Costa afirmou que, “felizmente”, Mariana Mortágua dava “ao Banco de Portugal o mérito de ter feito a auditoria e de ter detetado as situações”, um comentário que causou risos aos deputados.
O governador salientou ainda que, “seguramente, houve um conjunto de injunções que acompanharam essa auditoria e que levaram a um reforço da qualidade de governo da Caixa Geral de Depósitos”.
“Pode ter a certeza que nenhuma auditoria fica sem seguimento”, reforçou Carlos Costa, garantindo que “as injunções foram, certamente, comunicadas e, seguramente, a CGD tirou partido da auditoria” para melhorar.
A existência de uma nova comissão eventual de inquérito parlamentar à CGD avançou depois de, em janeiro, ter sido conhecida a auditoria da EY à gestão da CGD entre 2000 e 2015, que revelou concessão de créditos mal fundamentada, atribuição de bónus aos gestores com resultados negativos, interferência do Estado e aprovação de empréstimos com parecer desfavorável ou condicionado da direção de risco, com prejuízos significativos para o banco público.
Segundo a versão preliminar então divulgada pela ex-bloquista Joana Amaral Dias, na CMTV, a EY avaliou sete operações de crédito com risco grave ou elevado e, só nestas, estimou perdas de mais de 1.000 milhões de euros, estando à cabeça as operações de financiamento da fábrica da La Seda, em Sines. Em 2015, o crédito à La Seda de 350 milhões de euros tinha imparidades (perdas potenciais) de 60,2% para a CGD.
Ainda entre as operações com perdas elevadas encontradas pela auditoria estão empréstimos à Investifino (de Manuel Fino), Fundação Berardo, Auto-Estradas Douro Litoral e Vale do Lobo Resort.
Depois de ter sido conhecida a versão preliminar, em 01 de fevereiro, a CGD entregou o relatório final da auditoria no parlamento, isto depois de sete meses em que os deputados o pediram e o banco público recusou, primeiro argumentando com o segredo bancário e depois com o segredo de justiça (por estar em análise no Ministério Público).
Contudo, o documento entregue no parlamento omitia o nome dos devedores, os valores dos créditos concedidos e a exposição do banco público a estes empréstimos devido ao sigilo bancário.
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