Em entrevista à Lusa, o ex-ministro das Finanças assinala o impacto do atual contexto internacional, com um abrandamento económico provocado pela guerra, um aumento da inflação com uma incerteza muito elevada e, pela primeira vez em muitos anos, os mercados voltarem a estar muito atentos ao financiamento dos países e dos juros, para identificar as condicionantes da economia portuguesa no próximo ano.
Apesar de para este ano acreditar que, dado um primeiro semestre “muito forte”, é “muito provável” que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) se fixe acima da meta de 4,9% esperada pelo Governo, admitindo que “até é possível que fique acima dos 6% de crescimento” — o que diz: “é um número muito bom” -, para 2023 a expectativa é de desaceleração.
“Não me surpreendia que para o ano houvesse na Europa um forte abrandamento da economia. Já se estima um crescimento — o Banco Central Europeu, a OCDE [Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico] — próximo dos 0% e não seria surpreendente que houvesse mesmo uma recessão na Europa”, aponta, frisando que “Portugal não deixará de ser afetado”, uma vez que “é uma economia muito aberta e muito inserida no mercado europeu”.
O antigo ministro antecipa, assim, “um forte abrandamento económico e que será revisto em baixa o crescimento para o próximo ano”.
Entre os setores da economia portuguesa mais afetados deverão estar o turismo, com uma desaceleração da melhoria que se vinha a registar, mas também a construção, sobretudo de habitação, refletindo os aumentos das taxas de juro.
A este cenário soma-se a elevada incerteza: “não sabemos quanto tempo é que a guerra vai durar, qual o impacto que a guerra vai ter durante este inverno, no próximo ano, nos preços da energia. A incerteza neste momento é muito elevada”.
“Os preços de energia levam a uma perda de rendimento muito forte sobre toda a Europa. Estima-se que o aumento dos custos de energia na Europa triplique durante este ano face à média dos últimos três anos e seja um aumento de cerca de 6% do PIB”, disse, sublinhando que tal “é um choque brutal, como não acontecia há muitas décadas e que, portanto, gera grandes efeitos económicos, uma certa incerteza e é possível que no próximo ano haja um abrandamento da economia em toda a Europa, com consequências inevitáveis em Portugal”.
Perante este contexto, e apesar de sublinhar que “Portugal entra para esta crise bem preparado, com uma dívida em forte redução”, o atual vice-reitor do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa mantém a convicção de que as “contas certas” e prudência devem fazer parte da estratégia orçamental, mas com “equilíbrio”.
“Neste momento Portugal tem tido resultados bastante positivos nas finanças públicas, com contas certas. Pode conseguir já este ano, uma dívida pública abaixo dos 120% [do PIB], o que era um resultado notável”, destaca, defendendo que “contas certas não implica não olhar para as outras áreas”, procurando “uma política que é equilibrada”.
Para João Leão, Portugal “ganha” se “tiver uma política clara do ponto de vista financeiro, uma política com uma trajetória clara de redução de dívida pública a médio prazo e isso cria mais recursos, mais condições e mais financiamento para o país e para tudo o resto”.
O ex-ministro das Finanças, que foi secretário de Estado do Orçamento entre 2015 e 2019, defende que “pelo contrário, se é uma política como a que o governo inglês fez, de curto prazo, sem planeamento, sem justificação, aí passado um ano está a desfazer o que fez no ano a seguir porque fica sem recursos”.
“É importante continuar a trajetória de redução da dívida pública e de melhoria das contas públicas, mas isso feito de forma equilibrada em conjunto com as outras prioridades do país. Tem de se conseguir esse equilíbrio que tem sido conseguido e que é muito importante”, frisou, apontando questões da energia, do ambiente, das infraestruturas, dos apoios às famílias e às empresas mais afetadas pela crise.
“Tudo isso faz parte de um pacote muito importante para garantir que Portugal continua a crescer”, vincou.
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