"Pretendem, nesta medida, que a Entidade Requerida [Banco de Portugal] se abstenha de vender a entidade de transição Novo Banco através de um método que pressuponha a seleção de ativos e subsequente venda dos mesmos de forma desintegrada", lê-se no documento que deu entrada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e a que a Lusa teve acesso.
Os clientes lesados que moveram esta ação consideram que, a forma de alienação, colocaria em causa a "capacidade para o reembolso de créditos" por parte do Novo Banco.
Estes 452 clientes fazem parte dos 4.000 investidores a retalho que, através de 2.000 aplicações, investiram no total 434 milhões de euros em papel comercial das empresas Espírito Santo International e Rio Forte, através dos balcões do Banco Espírito Santo (BES), dinheiro dado praticamente como perdido aquando da queda do Grupo Espírito Santo (GES).
Desde então que estes clientes lesados reclamam, tal como explicam nesta nova ação judicial, que é do Novo Banco - o banco de transição do BES - a responsabilidade de pagar o valor em causa.
Lembram também que, após a resolução do BES, o Novo Banco chegou a contactá-los, dizendo que continuava "a trabalhar, conjuntamente com as entidades de supervisão, na procura de uma solução comercial a apresentar aos seus clientes", admitindo noutra ocasião que ficou consigo o papel comercial da Espírito Santo International (ESI) e Rio Forte e que mantinha a "intenção de assegurar o reembolso".
Aliás, recordam mesmo que a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) considerou em abril de 2015 que a responsabilidade do reembolso era do Novo Banco, acrescentando então que havia uma provisão no BES, antes da resolução, precisamente para pagar esses créditos e que também essa provisão devia passar para o Novo Banco.
Esse processo acabou por não avançar, já que o Banco de Portugal defendeu que o Novo Banco só podia assumir esse compromisso se não implicasse prejuízos financeiros e foi no final de 2016 negociado um mecanismo de solução que permitirá aos clientes que o aceitem recuperar parcialmente as perdas.
Contudo, estes 452 clientes avançam com uma nova ação judicial, já que têm receio de que a venda do Novo Banco ponha em causa os seus direitos.
"Porque sendo os ativos do Novo Banco alienados a diferentes compradores e sendo a própria entidade desintegrada, com que possibilidades ficam os requerentes? Por essa altura, mesmo que os requerentes consigam um reconhecimento do seu direito relativamente a esta entidade de transição ou a própria anulação da resolução, de nada vai servir a sentença se não para encaixilhar", afirmam na ação judicial interposta, acrescentando que nessa altura, "possivelmente, a entidade já nem existirá".
Estes clientes têm já uma ação a correr no Tribunal Administrativo, na qual pedem que seja o Novo Banco a reembolsá-los do dinheiro em dívida que dizem crer que irão ganhar.
Contudo, como estimam que essa decisão só seja definitiva em três a quatro anos, querem evitar uma alienação parcial do Novo Banco que possa pôr em causa os seus direitos.
Assim, pedem ao Tribunal Administrativo uma "tutela antecipatória dos seus direitos", de modo a garantirem "o efeito útil da sentença que vier a ser proferida nas ações administrativas de que são requerentes".
Deste modo, através de uma providência cautelar, querem que seja exigido ao Banco de Portugal que "se abstenha de vender os ativos da entidade de transição Novo Banco de forma fracionada através de um mecanismo de seleção de ativos, implicando tal procedimento, a adjudicação dos mesmos a diferentes compradores".
Estes clientes do papel comercial poderão ser incluídos na solução para o papel comercial negociada em 2016 (entre a Associação de Indignados e Enganados do Papel Comercial, Banco de Portugal, CMVM e 'banco mau' BES, com mediação do Governo).
O mecanismo de compensação foi anunciado em dezembro, está agora a começar a ser operacionalizado e passa por devolver aos clientes 75% do valor investido, num máximo de 250 mil euros, naqueles que têm aplicações até 500 mil euros, e 50% para as aplicações acima dos 500 mil, valor que será pago até 2019.
Os clientes que quiserem aderir a este mecanismo terão de cumprir uma série de obrigações, entre as quais comprometer-se a renunciar a reclamações e processos judiciais contra uma série de entidades, que, para já, são o Banco de Portugal, a CMVM, o Fundo de Resolução bancário, o Estado, o Novo Banco e o seu futuro comprador.
Contudo, esta solução não está a agradar a todos os clientes lesados, sobretudo àqueles com aplicações mais altas, acima de 500 mil euros, que não concordam com o valor que lhes seria devolvido caso aceitassem o acordo proposto.
Contactado pela Lusa, o advogado Nuno Vieira, que representa os clientes da providência cautelar, afirmou que esta ação judicial "nada põe em causa no acordo com o Governo", uma vez que os lesados têm direito a "garantir os direitos" até ao momento em que efetivem o contrato de adesão ao mecanismo de compensação.
"Admito que este procedimento seja mais importante para aquelas pessoas que não pretendem aceitar a solução, mas eu não faço distinção de clientes", afirmou o advogado, acrescentando que mesmo com "um só cliente insatisfeito com a solução nunca deixaria de exercer os seus direitos no tribunal".
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