À esquerda e à direita, são várias as críticas ao Governo por uma série de publicações na conta oficial do Gabinete da Ministra da Cultura - XXII Governo onde se compara o investimento na Cultura inscrito no Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) com o alocado ao setor em 2015, o último ano em que o país foi governado por um executivo de direita PSD/CDS.

Numa das publicações, em que se faz referência a "Governo de Direita" e "Governo de Esquerda", o governo especifica que entre 2012 e 2015 os apoios à Cultura caíram 35% e entre 2020 e 2021 foram investidos no setor 273 milhões de euros de apoios extraordinários. No entanto, além de se compararem percentagens com valores absolutos e intervalos temporais distintos, o que inviabiliza a análise, não é feita qualquer referência ao contexto social e económico em que tal aconteceu.

Recorde-se que entre 2012 e 2015 Portugal esteve sujeito a um programa de ajustamento financeiro da troika, do qual sai em maio de 2014, regressando de forma autónoma aos mercados, depois de três anos austeridade, quando muitos se questionavam sobre a capacidade do país para manter as contas certas. Já os apoios extraordinários à Cultura em 2020 e 2021 têm lugar no contexto de uma resposta europeia à pandemia da covid-19 que visa, com recurso a fundos comunitários, promover a recuperação económica e social até 2023. É neste contexto de previsível recuperação económica que se desenha o Orçamento do Estado para 2022.

O SAPO24 questionou o Ministério da Cultura sobre a opção de comparar valores absolutos com percentagens, mas não obteve resposta, tendo fonte da tutela adiantado que "o que estes dados demonstram é a importância da decisão do Governo em responder à crise da Covid-19 com um aumento extraordinário de investimento público no setor da Cultura, em oposição a eventuais cortes, como foi prática adotada por outros governos em outras crises".

"No período de 2020-2021, o Governo aprovou um pacote de medidas extraordinárias de apoio ao setor da Cultura no valor global de 273 milhões de euros, como resposta à pandemia da covid-19. Durante esses 15 meses, a resposta realizou-se a dois níveis: criação de novos programas de apoio (Garantir Cultura, Apoio Social aos Profissionais da Cultura, PEES, entre outros) e reforço de todos os programas de apoio já então existentes".

Referindo-se a esta publicação do Governo no Twitter, o comentador Daniel Oliveira escreveu o seguinte: "os orçamentos para a cultura têm sido vergonhosos. Mas isso nem é um debate quando um perfil de uma rede social do Estado é usada para propaganda descaradamente partidária, ainda mais no meio de uma negociação. A pressa para entrar na fase da campanha eleitoral parece ser grande". Na mesma rede social, Carlos Guimarães Pinto, fundador do Iniciativa Liberal, considerou esta publicação um "exemplo de utilização dos meios do estado para propaganda partidária por parte do PS". Ricardo Batista Leite, deputado do PSD à Assembleia da República, questionou-se "esta é mesmo a conta oficial do Governo?".

Numa outra publicação, sobre aquisição de arte contemporânea, o Ministério da Cultura diz que no ano 2015 se gastou zero euros e que de 2019 a 2022 se vai gastar 1,8 milhões. Mas nunca se faz referência à fonte da informação e volta a fazer uma comparação entre intervalos temporais distintos, o que não permite apurar qual o investimento orçamentado e o executado para a aquisição de arte contemporânea desde 2015. Questionado pelo SAPO24 sobre o critério de comparação adotado, o Ministério da Cultura não esclareceu a opção.

Ainda no que respeita aos números sobre a aquisição de arte contemporânea, na conta de Twitter do Ministério da Cultura é referido que o valor investido em 2020-2022 é de 1,8 milhões de euros. Todavia, segundo o orçamento para 2022  (pág. 252), o Estado, ao longo dos últimos três anos, adquiriu 159 obras de arte, no valor de 1.450.000 euros. Logo, depreende-se pela imagem que o investimento no próximo ano será de 350 mil euros.

Já no que diz respeito à publicação realizada sobre o Cinema, também sem indicação das fontes de informação utilizadas, salta à vista um erro de cálculo: se os valores absolutos estão corretos, então a percentagem deveria ser +111,8% (e não 21,3%). 

Numa outra imagem, em que destaca mais uma vez a ausência indicação sobre as fontes de informação dos dados, refere-se que o Orçamento do Estado para a Cultura aumentou em 193 milhões de euros face a 2015.

O SAPO24 questionou o Ministério da Educação sobre a origem dos dados, tendo recebido por parte da tutela uma tabela com o orçamento consolidado para a Cultura desde 2015, em que são consideradas todas as fontes de financiamento.

"Entre 2015 e 2022, os orçamentos do Estado para a Cultura aumentaram 43%, o equivalente a 193 milhões de euros. Este aumento reflete a estratégia seguida pelo Governo para o setor da Cultura, investido de forma crescente, gradual e sustentada", refere fonte do ministério.

Quadro evolutivo OE da Cultura
Quadro evolutivo OE da Cultura créditos: Ministério da Cultura

Esse crescimento, todavia, iniciou-se só 2017 e não em 2016, já que nesse ano o orçamento consolidado foi de 423,1 milhões, menos 28,8 milhões de euros do que em 2015. Essa mesma realidade — uma redução de investimento em 2016, em que o Executivo já era liderado por António Costa — está refletida no relatório "Estatísticas para a Cultura" do Instituto Nacional de Estatística (pág. 30).

Dos 644 milhões previstos para a Cultura no Orçamento do Estado para 2022 (pág. 255), há 254 milhões de euros que se destinam à RTP, o que coloca a despesa total consolidada para a Cultura nos 390 milhões de euros, representando 0,25% da despesa total consolidada da administração central (154,6 mil milhões).

No âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a Cultura conta com um valor global de 243 milhões de euros (para o período 2022-2025), que é composta pelos seguintes investimentos: 93 milhões de euros para a promoção da transição digital das redes culturais e 150 milhões de euros para a salvaguarda e a dinamização do património.

O SAPO24 questionou o Ministério da Cultura se nestes 644 milhões de euros para 2022 estão incluídos os contributos do PRR, não tendo recebido resposta até à data de publicação deste artigo. Se aos 644 milhões de euros se retirarem os 243 milhões do PRR, o valor desce para 401 milhões de euros — valor inferior ao orçamento consolidado de 2016.

De acordo com a GEPAC, serviço do Estado a quem compete garantir o apoio técnico para o governo definir as suas políticas na área da cultura, em 2012 o financiamento público das atividades culturais, de acordo com o Orçamento Geral do Estado, a despesa consolidada da Secretaria de Estado da Cultura foi de 167,7 milhões de euros (sem RTP).

Isto significa que em dez anos a despesa orçamentada cresceu cerca de 222 milhões de euros sem RTP ou 476 milhões de euros incluindo a RTP. Se o governo gasta mais 222 milhões de euros e só a bazuca (PRR) traz 243 milhões de euros, é fácil verificar que o investimento na Cultura cresceu muito pouco.

Se a comparação for feita em relação a 2015, ano em que a dotação orçamental inscrita foi de 219,2 milhões de euros ou cerca de 451 milhões de euros incluindo a RTP, como mostra o quadro enviado o gabinete de Graça Fonseca, então o crescimento do orçamento da Cultura em sete anos foi de 193 milhões de euros. Retirando os 243 milhões do PRR (que vêm da Europa), isto resultaria num desinvestimento real (menos 50 milhões de euros entre 2015 e 2022).

Uma das críticas tem sido o facto de o Orçamento para a Cultura voltar a ser, em 2022, dos mais baixos nas diversas áreas governativas (só à frente do Ministério do Mar, com 174,8 milhões de euros, e do valor alocado para representação externa, 524,4 milhões). Joana Mortágua, no jornal Inevitável, escreve que "na corrida para o 1%, a cultura não sai da cepa torta"; o ator Albano Jerónimo escreveu na sua conta de Instagram o seguinte: "a Cultura no meu país vale 0,25%. Vergonha!"; já o músico Pedro Abrunhosa considerou que “atribuir 0,25% do orçamento à cultura não é um insulto a quem trabalha nela. É uma afronta a todos os portugueses".

Existe ainda uma diferença entre orçamentar e executar, ou seja, aplicar efetivamente o valor destinado à Cultura, sendo que a ministra Graça Fonseca nunca executou a totalidade do orçamento.