Na semana passada, uma das histórias que marcou o mundo empresarial americano foi, para variar, uma IPO. Só que esta, em particular, tinha uma ligeira diferença. Não se trata de uma empresa de software já com milhares de clientes. Não se trata de uma nova rede social a ligar milhões de pessoas. Nem de uma plataforma de ecommerce.

O destaque em Wall Street foi para uma marca de leite de aveia chamada Oatly, que entrou na bolsa americana avaliada em 10 mil milhões de dólares. O mercado de substitutos do leite tem estado em forte crescimento e já representa 15% de todo o leite vendido nos EUA, de acordo com o Good Food Institute. Contudo, a Oatly não surgiu há meia dúzia de anos e o início da sua história remonta aos anos 90 e a um dos países com maior consumo de leite tradicional per capita.

Ao lado da ciência

A Suécia, com cerca de 150 litros de leite consumidos por pessoa/ano, é a casa de algumas das marcas mais populares do mundo como o IKEA ou o Spotify. É também a casa do investigador que descobriu a intolerância à lactose (em 1963) e dos dois irmãos, Rickard e Bjorn Oste, que em 1994 criaram, com a sua ajuda, o leite de aveia e a marca Oatly sob a qual o iam vender. Hoje, estima-se que dois terços do mundo possam ser intolerantes à lactose, mas, na década de 90 e nos primeiros anos do novo milénio, o leite de aveia era um produto reservado a um nicho de consumidores que, de facto, testavam essa intolerância (poucas) ou que tivessem dietas alimentares vegan. E, por isso, durante quase 20 anos, praticamente ninguém fora da Suécia ouviu falar na Oatly.

No entanto, tudo começou a mudar em 2012 com a entrada do atual CEO, Toni Petersson. Com uma abordagem mais ambiciosa, Petersson começou primeiro por terminar com todo o departamento de marketing da empresa e contratar uma equipa criativa que faria parte de todas as principais decisões relativamente ao produto. A embalagem foi alterada por completo e passou não só a exibir um logo mais apelativo e central, como passou a ter toda a sua comunicação em inglês, quer no produto quer em campanhas, para que pudesse chegar a uma audiência mais vasta. O seu slogan passou a ser “It’s like milk but made for humans”, que fez questão de anunciar em todo o lado.

Com isto tudo, a sua popularidade na Suécia cresceu exponencialmente o que lhe valeu como "prémio" um processo em tribunal por parte do lobby de produtores nacionais de leite, receosos do impacto da empresa no seu negócio e que acusaram a Oatly de “difamar” o seu produto. A disputa mereceu atenção mediática em vários países e foi exatamente o tipo de reconhecimento que a marca precisava para se expandir para outros mercados, nomeadamente os europeus.

Next stop: Estados Unidos da América

A entrada no mercado americano começou com a publicação de um estudo onde a Oatly comparava a produção dos seus leites com aquela que era feita para o leite ”normal”. Nos EUA, havia uma preocupação ambiental cada vez maior na forma como os produtos eram desenvolvidos e os consumidores estavam à procura de opções cada vez mais saudáveis: duas tendências que queria capitalizar. De acordo com os resultados, o seu leite de aveia emitia menos 80% de gases de efeitos de estufa, utilizava menos 79% de terra e necessitava de menos 60% de energia para ser produzido. Com estes números, tinha um ótimo cartão de visita para convencer os consumidores americanos a testar o seu produto. Mesmo assim, a Oatly decidiu também inovar no modo de o distribuir.

Em vez de optar por colocar os seus produtos em grandes retalhistas, a Oatly escolheu colocá-los em algumas das principais coffee shops de Nova Iorque (“Hello, Starbucks”) porque as propriedades do leite de aveia tornavam-no na melhor escolha para uma versão vegan de um bom cappucino ou caramel macchiato. Palavra puxa palavra e, em 2017, a Oatly já estava em 650 coffee shops nos EUA. De 2018 para 2019, saltou de 6 milhões de dólares para 40 milhões de dólares em vendas, só no mercado americano. No fim de 2020, a empresa sueca já estava presente em 32 mil coffee shops e 60 mil lojas no mundo inteiro e registou 421 milhões de dólares em vendas (+104% face ao ano anterior). Nada mau para uma empresa que, há menos de 10 anos, era “só de nicho”.

Como funciona o marketing da Oatly

A Oatly concentra numa equipa todas as funções de comunicação, marketing, de PR e de relação com os media e depende de zero agências para cumprir as atividades associadas a cada uma destas áreas. Deste modo, corta imensos intermediários, o que leva a que o processo de uma ideia até à sua execução seja bastante mais rápido.

Outra particularidade desta equipa, como já foi mencionado, é o facto de um representante da mesma estar presente em todas as decisões estratégicas, comerciais e logísticas. Isto faz com que não sejam necessárias reuniões de briefing a explicar aquilo que a empresa quer e o rumo que quer tomar na sua comunicação, dado que a equipa criativa tem um papel ativo nas tomadas de decisão. Por esta razão, na perspetiva da Oatly, não é necessário que a sua direção aprove orçamentos para campanhas de marketing. O departamento criativo faz parte da liderança da empresa e tem a sua total confiança, por isso, se acha que “aquela” ideia irá trazer dividendos, todo o esforço deve ser colocado no apoio à execução da mesma e não em discutir que valor é que poderá ser gasto.

Quando as campanhas são lançadas, de acordo com a Oatly, a empresa não se preocupa muito em medir o impacto de cada coisa que faz. Cada elemento de comunicação da empresa é pensado tendo em conta a sua audiência e o seu produto, portanto, na próxima execução já maximizou o alcance e interação que desejava para a mesma. É mais um exemplo, da abordagem pouco ortodoxa da Oatly ao seu negócio que, mais uma vez, não parece estar a dar maus resultados.

O anúncio que se tornou viral

“Wow No Cow” foi uma campanha em vídeo criada pela Oatly, para comunicar o seu produto no elemento que mais o distingue: o facto de não ter origem numa vaca. Nela vemos o CEO da Oatly, Toni Petersson, a cantar com emoção um pequeno jingle associado à sua empresa. O vídeo, produzido de forma muito simples, foi lançado há quatro anos, mas não atingiu a popularidade que a Oatly provavelmente esperava.

Confiante no seu trabalho, a empresa olhou para o tema mais como uma questão de mau timing do que má qualidade. Por isso, em 2021, decidiu reutilizar a mesma campanha no espaço publicitário mais caro possível - num dos intervalos do Super Bowl, o evento desportivo com maior audiência nos EUA e onde 30 segundos de publicidade custaram 5 milhões de dólares. Os resultados? O vídeo foi partilhado em milhões de publicações nas redes sociais, com diversos tipos de reações: um grupo adorou a simplicidade do anúncio e ficou com o jingle na cabeça; outro grupo questionou a produção do anúncio comparativamente à qualidade de outros anunciadas que tinham feito um “esforço” de comunicação maior. Quer num, quer noutro, o objetivo da Oatly foi finalmente alcançado - colocar potenciais consumidores a falar sobre a marca.

No futuro… o mercado de alternativas aos lacticínios terá tendência para ganhar uma dimensão cada vez maior. As pessoas vão procurar opções mais saudáveis e melhores para o ambiente. As empresas do setor vão ganhar maior escala e diminuir o custo de produção destas alternativas face ao latícinios “tradicionais”. Em 2028, prevê-se que esta seja uma indústria superior a 50 mil milhões de dólares.