Numa comunicação feita na Presidência do Conselho de Ministros, em que participam também a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, e a ministra da Saúde, Marta Temido, Duarte Cordeiro arrancou a conferência de imprensa assinalando que o Governo "lamenta" o anúncio do voto contra do BE e que o executivo não se "revê" nas palavras de Catarina Martins.
"O Governo teve durante este processo negocial uma postura bastante construtiva, serena, e procurámos dar resposta e fazer avanços concretos em matérias no Orçamento do Estado e noutras reformas que tivemos oportunidade de aprovar a semana passada", frisou o governante.
O secretário de Estado também enfatizou que, ao contrário do que foi sublinhado por Catarina Martins durante a sua intervenção neste domingo, o Governo procurou "responder às nove propostas" do BE — propostas que, na ótica do executivo, vão "além do Orçamento do Estado".
Mais, o governante frisou que o Governo não ignorou, no processo negocial, as propostas dos vários partidos, que, no caso do BE, começou em julho. "Ao longo destes meses, o BE foi consolidando a sua agenda e fechou-se num conjunto de nove propostas que, foi sinalizado, o Governo ou aceitava ou o BE não tinha condições de viabilizar", recordou.
Nesta fase, acrescentou, o Governo considera que foram feitas "aproximações" em várias dessas propostas, "não em todas", como já foi sinalizado publicamente.
Em resposta às críticas da líder do bloco ao OE, Duarte Cordeiro salientou que o OE tem o maior aumento do salário mínimo (40€), o maior aumento da função pública, um reforço de mais de 700 milhões de euros na saúde, além de um aumento de pensões e um desdobramento dos escalões de IRS.
Duarte Cordeiro também elencou os diplomas aprovados na última quinta-feira, em Conselho de Ministros, em que foram foram apresentadas medidas no âmbito do Trabalho Digno, o estudo do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e o estatuto dos profissionais da Cultura.
"Este OE responde às preocupações dos portugueses e deve ser viabilizado", afirmou, antes de passar a bola para o BE. "O BE tem até quarta-feira para reavaliar a sua posição e o Governo mantém a disponibilidade para avaliar o Orçamento", disse, recordando que o partido pode esperar pela votação na "especialidade" para reforçar as suas propostas.
Questionado por diversas vezes se o Governo está disponível para novos encontros com o Bloco até quarta-feira, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, disse ter entendido o anúncio do BE como "uma posição definitiva", lamentando que o partido se tenha "fechado" em nove propostas.
"O Governo entende que procurou, de boa-fé e de forma construtiva, tentar aproximações a estas propostas, e tem pedido uma avaliação para lá delas, tendo em conta os outros passos dados pelo Governo. Se nos limitarmos às nove questões, torna-se difícil resolver este impasse, não vale a pena estarmos aqui com retórica", afirmou, considerando que é o Bloco que pode fazer "uma reavaliação" da sua posição.
Por outro lado, o governante salientou que o processo orçamental "é longo".
"Não precisamos de ficar com a ansiedade de resolver tudo até quarta-feira", afirmou, dizendo que o BE "pode sempre tomar uma posição no fim", referindo-se, de forma implícita, à votação final global.
Questionado se o Governo tem um plano B, caso PCP e PAN também anunciem na segunda-feira um voto contra (o que ditaria o ‘chumbo’ do documento já na generalidade), Duarte Cordeiro respondeu que "o Governo não trabalha sobre cenários".
"Nesta fase, estamos totalmente focados num entendimento para viabilizar o Orçamento do Estado", disse.
O secretário de Estado apelou aos partidos que tenham em conta o momento do país, após uma crise causada por uma pandemia, e o facto de o Governo procurar responder às propostas de várias forças políticas "em simultâneo", considerando que foi mais longe que em nenhum outro Orçamento.
"É particularmente evidente que não há vontade nenhuma dos portugueses de uma crise e que os portugueses entendem que este Orçamento deve ser viabilizado, apelamos q que os partidos tenham em consideração o momento que estamos a viver", salientou.
Duarte Cordeiro defendeu ainda que as medidas aprovadas pelo Conselho de Ministros na semana passada - na área da legislação laboral, do Serviço Nacional de Saúde e da Cultura - "só podem ser viabilizadas à esquerda".
"Estas matérias deveriam ser entendidas como sinais de aproximação do Governo", considerou.
Ao longo da conferência de imprensa, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares sinalizou, ponto a ponto, quais as matérias em que o Governo considera ter feito aproximações às propostas do BE (em sete das nove) e referiu que ouviu, na intervenção da coordenadora Catarina Martins, outros temas sobre os quais "nunca houve propostas concretas".
Intransigência do BE?
Ana Mendes Godinho defendeu que o atual Orçamento "é uma oportunidade para as políticas de esquerda em Portugal e de reafirmação do Estado social em Portugal".
"Às vezes parece que é preciso exigir tudo e de nada prescindir para que tudo fique na mesma", criticou a ministra, dizendo que o Governo procurou "aproximações" às propostas do Bloco, embora reconhecendo que tal não foi possível em todas elas.
Para a ministra, o documento já entregue e as medidas aprovadas no conselho de Ministros da última semana permitem "um Orçamento justo e equilibrado".
"São opções políticas que estamos a fazer em conjunto como sociedade e que têm de resultar de compromissos e não de imposições", defendeu a ministra do Trabalho.
Ana Mendes Godinho começou por dizer ser importante "reafirmar" as medidas já contidas no Orçamento entregue no parlamento, bem como as que foram aprovadas pelo Conselho de Ministros na semana passada.
"Este é o Orçamento do Estado com mais 949 milhões de euros face ao do ano passado na área da Segurança Social, se não contarmos com as despesas covid", sublinhou, acentuando que, em relação a 2014, o documento contém mais "sete mil milhões de euros" para investimento na área social.
Ana Mendes Godinho realçou algumas das medidas contidas no Orçamento, como a estratégia de combate à pobreza infantil, os aumentos do abono de família, a gratuitidade progressiva das creches ou os apoios ao emprego jovem.
Em relação às nove propostas que têm sido apontadas pelo BE como decisivas na sua avaliação do Orçamento, a ministra defendeu que o Governo tentou aproximações "à maioria delas", nomeadamente com propostas na área laboral.
"Aquilo que tivemos até agora foi uma total intransigência para conseguir aproximações", afirmou, considerando que esta atitude é a melhor forma de fazer "com que tudo fique na mesma".
Orçamento pouco ambicioso? Marta Temido não acredita que "seja pouco ambicioso"
A ministra da Saúde rejeitou hoje que o Orçamento do Estado para 2022 "seja pouco ambicioso", garantindo que apresenta um reforço orçamental, mas também "escolhas políticas" para materializar o novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde.
"Não se trata apenas de reforçar os meios afetos ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). Este Orçamento do Estado que apresentamos, e que tem várias normas relacionadas com a área da Saúde, tem por de trás um conjunto de escolhas políticas que se prendem com a capacidade de execução e materialização de um novo Estatuto para o SNS", assegurou Marta Temido.
A ministra falava em conferência de imprensa pouco depois da coordenadora do BE, Catarina Martins, ter avisado que o partido votará contra o orçamento se até quarta-feira "o Governo insistir em impor recusas onde a esquerda podia ter avanços", mantendo, no entanto, disponibilidade negocial porque "ainda há tempo".
O Governo pretende que o novo Estatuto, já aprovado em Conselho de Ministros e que segue para consulta pública, entre em vigor em simultêneo com o Orçamento do Estado para o próximo ano.
"Foi referido que o Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) é um orçamento pouco ambicioso. O Orçamento do Estado para 2022 aprofunda o investimento no SNS, desde logo, em termos estritamente orçamentais", adiantou Marta Temido, ao avançar ainda que, de 2015 até 2022, as dotações para o SNS cresceram 3.252 milhões euros.
Segundo a governante, o novo Estatuto do SNS "traduz o aperfeiçoamento dos compromissos políticos assumidos na nova Lei de Bases da Saúde e que constam do Programa de Governo", com o objetivo de "conferir estabilidade a um conjunto de escolhas políticas que, se não forem feitas, correm risco de serem perdidas".
Entre estas "escolhas políticas", a ministra apontou a autonomia para contratações pelas unidades de saúde, não apenas de enfermeiros, técnicos e assistentes operacionais, mas também de médicos.
"O que se pretende com a recuperação da autonomia das contratações não é afastar dela a autonomia para a contratação de médicos, conforme foi referido", assegurou.
Relativamente à dedicação plena, também prevista no Estatuto do SNS, Marta Temido salientou que vai mais além do que o regime de dedicação exclusiva, que vinculava "profissionais médicos em mais horas de trabalho contra um acréscimo remuneratório".
"Aquilo que se pretende com a dedicação plena é mais do que isso: são ganhos para os utentes, ganhos de acréscimos de acesso, de qualidade e de eficiência", referiu.
Já sobre a carreira de técnico auxiliar de saúde, Marta Temido adiantou que esta era uma "prioridade que o Governo identificou e que estava afastada mais para o final da legislatura", mas, porque correspondeu a uma reivindicação nas negociações, foi decidido "colocar em 2022".
No entanto, a ministra defendeu que a definição do seu conteúdo funcional, das regras de transição e da tabela remuneratória, tem de ser objeto de discussão e de aperfeiçoamento com os sindicatos.
"O OE2022 é, de facto, um orçamento que reforça o SNS. Reforça em muitas escolhas que constam também do Estatuto do SNS, não apenas nas condições de trabalho, que são muito importantes, mas também nas respostas aos utentes", disse Marta Temido.
Catarina Martins: "Seria uma irresponsabilidade se o Governo não quisesse um acordo para o Orçamento do Estado"
A conferência de hoje tem lugar pouco depois de o Bloco de Esquerda anunciar que votará contra a proposta do Orçamento do Estado para 2022 se não existirem aproximações do Governo às propostas do partido.
"Seria uma irresponsabilidade se o Governo não quisesse um acordo para o Orçamento do Estado", defendeu, na fase das perguntas dos jornalistas, referindo que o "país tem uma enorme expectativa de poder ter uma recuperação económica que chegue aonde não se chegou na legislatura de 2015-2019", indicou.
A votação na generalidade está marcada para quarta-feira.
Para segunda-feira às 12:00 está marcada uma conferência de imprensa do secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, que apresentará o resultado do Comité Central, cuja ordem de trabalhos é a análise da "situação política e social” do país.
O PCP anunciou este ano pela primeira vez, desde o entendimento à esquerda feito há seis anos, o voto contra na generalidade, no caso de a proposta ser votada tal como foi entregue.
*Com Lusa
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