Para quem celebrou o Santo António na madrugada de 12 para 13 de junho pode ter reparado que a sardinha estava mais cara do que em anos anteriores, mesmo considerando o interregno de dois anos na celebração do santo lisboeta motivado pela pandemia. É uma evolução de preço que podia estar ligada à antecipação pelo regresso de um evento tão importante na capital portuguesa, mas na realidade faz parte de uma tendência que vem sendo observada ao longo dos últimos meses no mundo inteiro.
Em maio, a inflação em Portugal e na Zona Euro atingiu os 8,1%. É o valor mais alto desde que o Eurostat começou a registar este indicador anualmente em 1998. As razões para esta evolução de preços já foram amplamente identificadas: a pandemia e a guerra na Ucrânia. A primeira tem gerado uma série de choques económicos do lado da procura e da oferta nos últimos dois anos. A segunda provocou uma série de choques no mundo, mas mais em específico na Europa, onde diversas economias tinham uma codependência da Rússia, nomeadamente em setores como o da energia.
Como é calculada a inflação? A inflação é calculada com base no IPC, um índice que contém o preço de um cabaz de produtos representativos do consumidor-tipo de um país. A evolução do preço deste cabaz de um ano para o outro é taxa de inflação que depois acaba noticiada.
Em Portugal… no cálculo da inflação, o Instituto Nacional de Estatística utiliza o HIPC, um índice com base num cabaz standardizado, que permite a comparação da economia portuguesa com as congéneres europeias.
Falando de energia, é o “produto” que mais está a contribuir para o crescimento da inflação na maior parte das economias. Só na Zona Euro, o preço da energia aumentou 39,2% em maio.
A inflação significa sempre más notícias?
Não necessariamente. Na sua essência, a inflação significa a perda de poder de compra por parte do consumidor dado que com um euro, de um ano para o outro, já não é possível comprar o mesmo nível de produtos. Contudo, se acontecer de forma gradual pode ser representativo de uma economia em crescimento, onde valor está a ser criado, onde emprego está a ser criado e onde trabalhadores podem ver os salários aumentar. Mas não é isso que estamos a observar. A inflação está a ser motivada por choques repentinos do lado da oferta, em circunstâncias exteriores à maior parte das economias.
Os sucessivos lockdowns no continente asiático, com destaque para a China, têm levado a uma série de atrasos nas cadeias de produção e de abastecimento de produtos essenciais para as economias ocidentais, desde o vestuário aos produtos tecnológicos que já fazem parte do nosso dia-a-dia. Com menos produtos disponíveis e com um nível semelhante de procura, os preços tendem a aumentar.
A guerra entre a Rússia e a Ucrânia mudou o paradigma da indústria da energia, dado que muito países que tinham relações económicas mais estreitas com a economia liderada por Putin. Estas passaram a pagar o custo do conflito ou foram obrigadas a encontrar novos fornecedores ou acabaram por sentir os efeitos externos nos seus preços de energia (visto que vivemos num mundo globalizado).
As potenciais más notícias: o efeito Fisher
As primeiras estão sempre associadas aos setores mais carenciados da sociedade, em que um incremento no nível médio de preços é sempre mais sentido do que noutras áreas da pirâmide social. Porém, uma ligação económica feita pelo economista Irving Fisher, na primeira metade do século XX, poderá trazer mais más notícias também para as classes médias.
Resumidamente, Fisher definiu dois tipos de taxa de juro: a taxa nominal e a taxa real. A primeira é aquela que costuma ser apresentada pelos bancos para contas-poupança ou para créditos à habitação. A segunda é a taxa nominal menos o valor da taxa de inflação. Ora, isto obriga a um equilíbrio complexo, especialmente num período de elevada inflação.
Um exemplo: um cidadão comum com uma conta poupança a render 3% de juro (nominal) ao ano, num contexto de taxa de inflação a 8%, está na realidade a perder dinheiro, dado que a sua taxa de juro real é de -5% (3% - 8%).
Porque é que isto importa? A maior parte dos Bancos Centrais têm estado a discutir a possibilidade aumentarem as taxas de juro como forma de controlarem a inflação. O juro é o preço do dinheiro e as guidelines que os Bancos Centrais definem para os consumidores à procura de poupar e a bancos à procura de emprestar uma ideia do que podem esperar. Na teoria, se o juro é o preço do dinheiro, um aumento levaria a uma desaceleração na sua procura e a um abrandamento na economia que permitiria ajustar a inflação a níveis mais saudáveis.
O dilema: Os bancos funcionam como uma balança. Precisam de criar incentivos para cidadãos e empresas pouparem, para depois utilizarem esses fundos para financiar e dar crédito a outros cidadãos e empresas à procura de criar valor na economia. Num contexto de alta inflação, os bancos centrais são obrigados a fazer um ajuste significativo às taxas de juro, que apesar de tornar a poupança mais atrativa, pode tornar alguns créditos ao consumo ou à habitação insustentáveis de pagar para uma fatia considerável dos cidadãos.
Olhando para o futuro… de acordo com dados do World Bank, a inflação média mundial poderá regressar aos 3% no próximo ano. Mas alguns economistas alertaram para o perigo de o aumento abrupto das taxas de juro poder levar a uma recessão económica semelhante à de 2008.
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