Quase um ano depois de regressar à aldeia natal, diz que o ambiente que o rodeia melhorou: criou-se confiança com a comunidade e há uma convivência pacífica.

O problema de todos tem sido a escassez de comida na região e outras dificuldades estruturais que tem atrasado a concretização dos seus sonhos.

O ex-guerrilheiro contou há um ano, à Lusa, que queria abrir uma moagem, servir a aldeia natal e reconciliar-se consigo próprio, ao regressar para Cheadeia, no interior do distrito de Nhamatanda, na província de Sofala, centro de Moçambique.

João integrou o grupo de cerca de 300 ex-guerrilheiros da Renamo, maior partido da oposição, da base de Savane, que beneficiou da segunda fase do processo de Desmobilização, Desarmamento e Reintegração (DDR) social em junho do ano passado.

O DDR resulta do acordo de paz assinado em agosto de 2019 entre o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, e o presidente da Renamo, Ossufo Momade.

Samson, recrutado para a guerrilha aos 19 anos, em 1981, já tinha sido desmobilizado uma primeira vez em 1994, pela Onumoz, a missão de paz das Nações Unidas em Moçambique.

Desta vez, entregou as armas com a patente de coronel, e regressou à aldeia natal com um 'kit' de desmobilização para recomeçar a vida que incluía oito chapas de zinco, usadas como cobertura das habitações tradicionais, precárias, e apoio financeiro.

O ex-guerrilheiro recebeu um subsídio de reintegração no valor de cerca de 55 mil meticais (755 euros) trimestrais durante um ano, apoio que terminou em março.

Mas João diz que gastou o subsídio em comida, porque no seu regresso à aldeia enfrentou uma situação de fome severa na região e as famílias já tinham esgotado os frutos da colheita anterior, produzidos sob insegurança por causa de ataques atribuídos aos rebeldes da autoproclamada junta militar da Renamo - grupo dissidente que não se juntou ao DDR.

"Os meus sonhos estão todos paralisados", diz agora à Lusa.

João Samson diz que "o subsídio foi mais para atacar a fome" porque "os alimentos estavam caros" e aguarda agora pela fixação de uma pensão para realizar os sonhos.

"Não sabemos se será cumprida a promessa da pensão. Estamos há três meses sempre a espreitar a conta [bancária] sem nenhum sinal", acrescenta.

Nos sonhos, o ex-guerrilheiro junta à moagem a compra de um automóvel para servir de transporte coletivo, para a sua comunidade se deslocar à sede distrital procurar serviços básicos - o centro de saúde que estava mais próximo foi saqueado num ataque há um ano e não foi reabilitado.

João manteve escondidas no mato por cinco meses as chapas de zinco recebidas no DDR.

Entretanto, já construiu a sua "palhota de quarto e sala" e já pode brincar e dar atenção aos netos, que geralmente têm direito a passeio de motorizada nos fins de semana atravessando a densa savana da região.

"A nossa esperança para a sobrevivência está na fixação da pensão, senão, não terá valido a pena a luta. O Governo prometeu que depois do subsídio vai fixar pensão e esperamos que cumpra a promessa, porque na minha idade a força para autossuficiência já é pouca", refere.

Enquanto guerrilheiro, coube-lhe a tarefa de reabastecer com armas a guarda da Renamo, que tinha ficado desguarnecida durante a invasão da residência do falecido líder Afonso Dhlakama, incursão ocorrida na Beira, em 09 de outubro de 2015.

Outro ex-guerrilheiro, Jossias Combo, 51 anos, dos quais 18 na guerrilha, diz à Lusa que o primeiro ano de convivência com a comunidade no seu regresso à aldeia de Cheadeia tem sido pacífico - ainda goza do título de "herói" atribuído pelos vizinhos.

"Continuo a gozar do respeito da minha comunidade. Mesmo o desdém que alguns ainda tinham por nos conotar com homens de Nhongo [dissidência que não se juntou ao DDR] também cessou", diz à Lusa.

O ronco de motorizadas compradas por ex-guerrilheiros trouxe vida a um lugar habitado por fantasmas da guerra.

Manuel Chaguiro, outro ex-guerilheiro de Cheadeia, também foi desmobilizado duas vezes, sente que cumpriu a missão do seu "instrutor ideológico", Dhlakama, e agora espera usufruir dos frutos da "parte da democracia" do país.

"Agora estamos aqui para usufruir da democracia, que ainda não está completa. Temos uma convivência boa desde o nosso regresso e aguardamos pelo cumprimento das promessas do Governo, em nos dar uma pensão fixa para cuidar das nossas famílias" diz à Lusa o ex-guerrilheiro, que viveu escondido por três meses após o seu regresso à aldeia por medo de ser confundido com rebeldes.

Por sua vez, Meque Massane, 54 anos, regressou em janeiro, após ser desmobilizado em dezembro na base de Mabote, em Inhambane, sul do país.

Durante a "guerra civil dos 16 anos", desertou da guerrilha da Renamo e refugiou-se no Zimbabué até o conflito terminar em 1992, voltando a integrar a guerrilha em 2013 para "reclamar da má gestão do país".

Em 2019, recusou o convite de João Machava, na altura o número dois da autoproclamada Junta Militar da Renamo para integrar o grupo liderado por Mariano Nhongo.

"Recusei porque vi que não era altura para levantar uma terceira guerra. Assim, essa vida que estou a levar aqui, sem barulho de armas, é boa", frisa Massane, numa altura em que também espera pela fixação da pensão para compensar a juventude perdida na guerra.

O Presidente moçambicano tem feito um balanço positivo do processo de DDR, em diferentes discursos feitos nas últimas semanas e destacou os "importantes avanços na implementação do processo, com 10 bases desativadas e 2.307 combatentes a entregar as armas, o equivalente a 44% do número total de guerrilheiros a desarmar".

AYAC (LFO) // VM

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