Há semanas que a água não jorra nas torneiras em várias zonas das províncias de Luanda, Bengo e Icolo e Bengo, que enfrentam um surto de cólera com mais de 400 casos desde o dia 07 de janeiro.

A alternativa são os tanques subterrâneos abastecidos por camiões-cisterna, com a procura a fazer disparar os preços e a tornar o negócio cada vez mais rentável.

As vias esburacadas e quase intransitáveis nos bairros periféricos dessas províncias agravam ainda mais os custos da água, fornecida pelos camiões que se abastecem na margem do rio Bengo, no Kifangondo, um eixo que liga as três províncias.

Dada a escassez, cidadãos revendedores de água acorrem diariamente às chamadas "girafas" (pontos de venda de água), que abastecem os camiões a partir dos tanques subterrâneos, e alguns são obrigados a esperar dias para encherem os seus reservatórios domésticos, lamentando os novos preços praticados.

Uma cisterna de 20.000 litros, anteriormente vendida a 20.000 kwanzas (21 euros), hoje, com a escassez de água e a elevada procura, pode custar entre 40.000 kwanzas (42 euros) e 60.000 kwanzas (63 euros), dependendo da zona, relataram camionistas e revendedores de água.

"Vim à procura de água porque está muito difícil desde o início de janeiro, estou já aqui desde ontem, dizem que água está difícil, que não tem, está muito caro", afirmou Luzia Mateus, revendedora de água na centralidade do Kapari, Bengo.

Falando à Lusa à entrada de uma das "girafas" do Kifangondo, onde acorreu em busca de um camião para abastecer o seu tanque de 20.000 litros, lamentou a falta de água na zona da sua residência.

"No Kapari não há água nas torneiras, é só mesmo das cisternas. Agora, com a cólera, é só mesmo Deus para nos proteger", desabafou.

Na mesma condição estava Euginha Modesto, que vive no bairro da Burgalheira, Panguila, que disse estar à procura de água para o seu tanque caseiro e se mostrou preocupada com os preços.

"Na nossa área pagávamos a cisterna [de água] a 22.000 (23 euros) e 25.000 kwanzas (26 euros) e agora são 40.000 kwanzas, tudo é preocupante, porque a água me ajuda e está muito difícil para mim", disse a revendedora de água, lamentando dificuldades para manter as filhas na escola.

Pelo menos 100 camiões-cisterna acorrem diariamente àquela "girafa" privada em busca de água para abastecer Luanda, Bengo e Icolo e Bengo, como disse à Lusa um dos seus responsáveis e técnico laboratorial da empresa, pertencente a cidadãos asiáticos.

Eduardo Nicolau Diassonama referiu que a procura pelos seus serviços aumentou 50%, apontando algumas "roturas de condutas afetas à Empresa Pública de Águas de Luanda (EPAL)" como razões que concorrem para a escassez de água na região.

Segundo Diassonama, os camiões-cisterna compram 20.000 litros de água no valor de 7.000 kwanzas (7,4 euros), assegurando que a sua água "tem qualidade", fruto de avaliações físicas e laboratoriais feitas quinzenalmente.

Carlos Lombas e Aldair Leão, que abastecem os seus camiões-cisterna naquela "girafa", instalada na margem do Bengo, confirmaram a elevada procura da água, salientando que as dificuldades das vias de acesso, sobretudo no interior dos bairros, encarem ainda mais o preço.

"Esta água é boa, é de qualidade, a procura aumentou sim", confirmou Carlos Lombas, que opera no setor há sete anos.

Com a escassez de água, a procura pelos camiões-cisterna aumentou, disse Aldair, apontando o Panguila como uma das zonas mais solicitadas, onde efetua em média de 10 viagens por dia, para comercializar 13.000 litros de água, num valor que varia entre 15.000 kwanzas (15 euros) e 20.000 kwanzas (21 euros).

"São 13.000 litros que custam 3.500 kwanzas. Em regiões mais próximas do Panguila, vendo a 15.000 kwanzas e noutras, longínquas, são 20.000 kwanzas. Graças a Deus essa água tem qualidade", frisou.

Aldair, também residente na centralidade do Kapari, defendeu a necessidade de se melhorar o fornecimento e a qualidade de água que se consome para se travar a cólera, uma doença que, no seu entender, "já deveria ser erradicada em Angola"

"[O Estado angolano] tem de ver isso, porque a cólera mata (...). Nós, por exemplo, do Kapari, não bebemos água que sai da torneira, porque temos empresas que purificam água e outras compramos nas cantinas [pequenas mercearias]", assinalou.

Na outra margem deste mesmo rio, no Kifangondo, está instalada uma outra "girafa" de água denominada AMILG, uma das mais antigas que opera na circunscrição.

O seu gestor, Pedro Pilares da Silva, referiu que as aberturas das comportas de algumas barragens contaminaram as águas de muitos rios.

"O rio está bastante cheio, abriram as comportas e afetou alguns rios que estão turvos afetando também a canalização (...). Pelo que ouvi também, os produtos para a purificação da água -- a nível da EPAL - também estão escassos e o 'stock' já está assim um pouco baixo", afirmou, confirmando a elevada procura dos camiões-cisterna.

Dezenas das conhecidas "girafas" de água, entre geridas pela EPAL e por agentes privados, estão instaladas em vários pontos da capital angolana e nas províncias limítrofes, cuja qualidade da água, bombeada a partir de rios ou canais de irrigação, é várias vezes questionada.

O surto de cólera, com epicentro no bairro do Paraíso, município de Cacuaco, em Luanda, já fez várias vítimas mortais e as autoridades confirmam o registo de mais de 400 casos.

*** Domingos da Silva (texto), Marcos Focosso (vídeo) e Ampe Rogério (fotos), da agência Lusa ***

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