"A minha maior liberdade tenho-a no ateliê. Ali, a liberdade e a responsabilidade são totais", disse o artista, numa entrevista à agência Lusa, em Lisboa, numa altura em que lhe são dedicadas exposições no Porto e em Lisboa.

Também será homenageado pelo júri Prémio Amadeo de Souza-Cardoso, que lhe atribuiu, este ano, extraconcurso, o Grande Prémio Amadeo de Souza-Cardoso, uma distinção que tem por objetivo consagrar a carreira do artista.

Recebeu o prémio "com grande satisfação e honra", numa altura em que o Museu de Serralves, no Porto, lhe dedica uma exposição, intitulada "Jorge Pinheiro: D'Après Fibonacci e As Coisas Lá Fora", a par de uma mostra de desenhos na Fundação Carmona e Costa, em Lisboa.

"Fiquei surpreendido tanto com o prémio, como com as exposições", comentou, acrescentando que, ao ver-se "no fim da vida", foi "agradável" ser alvo destas iniciativas.

Embora seja a criação artística o alvo das atenções, tem as maiores saudades da docência, "ofício" ao qual dedicou 40 anos, e considera que o mais gratificante ao longo da carreira foi o relacionamento com os alunos: "Eles dão-nos muito mais do que nós a eles".

"Fui pintor de domingo", ironizou, acrescentando que, nesses anos, a sua principal preocupação era a preparação das aulas.

"Eu ensinava a técnica e não impunha a minha visão do mundo", disse, recordando que só uma vez falou do seu trabalho, numa aula na Universidade de Évora, para a qual foi convidado a falar especificamente da sua obra.

Procurou sempre gerir a faceta de pintor com a da docência, sem querer influenciar os alunos, o que "não era fácil", segundo o artista, que foi professor na Escola Superior de Belas Artes do Porto entre 1963 e 1976, na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, entre 1976 e 1996, e na Universidade de Évora, de 1996 a 2001.

Jorge Pinheiro foi um dos membros d'Os Quatro Vintes, assim chamados por terem terminado o curso nas Belas Artes do Porto com 20 valores, mas não entende porque se dá tanta importância a esse grupo, fundado em 1968, composto por Ângelo de Sousa, Armando Alves e José Rodrigues.

"Estávamos num período em que foi tão difícil dizer 'eu estou aqui'. E por isso nos juntámos e fizemos algumas exposições. Era um grupo alicerçado na ironia", comentou o artista que foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, nos anos de 1966 e 1967, em Espanha, França, Itália, Suíça, Bélgica, Holanda e Inglaterra.

Para Jorge Pinheiro, foi um grupo "espontâneo, ingénuo e acabou". No entanto, todos os seus membros marcaram a História da Arte em Portugal.

Considera que, numa altura em que a globalização envolve o mundo, ainda hoje os artistas emergentes têm o mesmo problema: procurar visibilidade.

O artista, cuja obra atravessou o figurativo e o abstrato, disse que sempre tentou experimentar várias linguagens, "para ver até onde podia ir".

Começou por fazer o curso comercial mas não gostou, voltou a estudar, e sentiu-se seduzido pela arquitetura, mas foi a pintura que mais o cativou, acompanhando-o desde então.

"Fui um 'salta-pocinhas', tocando em muitas cordas do violino", em relação às linguagens na pintura, e ainda hoje não vai para o ateliê com uma ideia feita, continua a "experimentar sempre", disse, na entrevista realizada na sua residência, no Estoril.

Questionado pela Lusa sobre o que diria hoje a um jovem estudante de artes, respondeu que pode haver a impressão de que há um caminho que conduz ao Paraíso, mas não: "As minhas dúvidas eram sempre crescentes, e as certezas cada vez menos. O caminho leva-nos a cada vez maior consciência da responsabilidade. Portanto, eu não diria nada" a um jovem que está a começar.

"O mundo muda muito, e não sabemos se estamos a acompanhar a mudança", comentou.

Sobre a arte contemporânea, considera que os cânones acabaram, deixando em aberto onde os artistas se devem alicerçar, o que acaba por ser a necessidade individual de cada criador.

Para Jorge Pinheiro, cuja obra reúne diversas referências oriundas da literatura, do cinema, das artes visuais ou da geometria, a arte contemporânea "é muito conceptualizada e, embora tenha o seu valor, não sendo pior, não chega ao público".

A carreira do artista conta com cerca de 40 exposições individuais, realizadas entre 1958 e a atualidade, e a participação em mais de 150 exposições coletivas, em Portugal e no estrangeiro.

Entre outros prémios, foi distinguido com o da III Exposição Nacional da Fundação Calouste Gulbenkian (1981), e o da Associação Internacional de Críticos de Arte (2003).

A exposição de Jorge Pinheiro no Museu de Serralves, no Porto, "um projeto de Cabrita Reis com Jorge Pinheiro", vai ficar patente até 07 de janeiro de 2018.

A mostra de desenho, na Fundação Carmona e Costa, em Lisboa, com curadoria de João Miguel Fernandes Jorge, encerra no próximo dia 04 de novembro.

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