
"A língua portuguesa é um legado e um património identitários e cultural forjados ao longo de mais de cinco séculos e meio de existência da nação cabo-verdiana", escreveu o chefe do Governo cabo-verdiano, na sua página oficial no Facebook.
A publicação surge quatro dias após o parlamento cabo-verdiano ter aprovado uma proposta de uma deputada do Movimento para a Democracia (MpD, maioria) para classificar a língua portuguesa como património imaterial de Cabo Verde, processo envolto em várias horas de discussão e divergências.
Para o primeiro-ministro, a língua portuguesa é "um património imaterial independentemente de qualquer classificação", que une o país a uma "vasta comunidade de países de língua portuguesa".
"Valorizá-la é nossa obrigação", entendeu Ulisses Correia e Silva, avisando, no entanto, que existem procedimentos que devem ser respeitados para a classificação de patrimónios que decorrem da lei cabo-verdiana e das diretivas da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
A proposta da deputada Mircéa Delgado foi aprovada por 27 votos a favor e 26 contra, mas só depois de a mesa reconsiderar e não contar as nove abstenções, tendo em conta o entendimento anterior de aprovação da proposta carecer pela maioria dos deputados presentes (incluindo as abstenções), decisão que levou alguns deputados a considerarem recorrer ao Tribunal Constitucional.
A proposta mereceu votos a favor de deputados dos três partidos representados no parlamento, mas também críticas que alegavam tratar-se de uma "sobrevalorização do português", face à língua crioula cabo-verdiana, ou posições totalmente a favor de outros deputados, o que dividiu o parlamento ao longo de várias horas de debate e constantes interrupções.
"Este percurso de séculos da língua portuguesa no chão de Cabo Verde e a sua importância como elemento identitário de primeira grandeza, a par da língua cabo-verdiana, não nos permite ficar indiferentes a alguns sinais de fadiga com origem diversa, visíveis na utilização da língua portuguesa no nosso país, em contramão com a tendência mundial da sua valorização como meio de comunicação e também de cooperação e de troca nas múltiplas dimensões", alegou a deputada, ao apresentar a proposta.
As dúvidas dos deputados colocaram-se igualmente por se tratar de um processo de classificação por via legislativa e não técnica, como é determinado por resoluções nacionais e internacionais.
Este foi de resto o primeiro entendimento no parecer anterior da Comissão Especializada de Educação, Cultura, Saúde, Juventude, Desporto e Questões Sociais da Assembleia Nacional, que devolveu o projeto de lei à deputada proponente.
A comissão entendeu primeiro não emitir parecer favorável ao projeto, face ao parecer negativo do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas, através da Direção do Património Imaterial, e "na ausência de um parecer externo solicitado ao instituto Camões para fundamentar e fornecer mais elementos de análise", mas a proposta acabaria por ser agendada para votação nesta sessão plenária.
O projeto de lei pretende classificar a língua portuguesa como património cultural imaterial, por ser "parte integrante e estruturante" da história do arquipélago.
O ministro da Cultura e das Indústrias Criativas, Abraão Vicente, recordou, entretanto, a propósito deste caso, que "o poder de classificar qualquer bem ou item como património cultural" é daquele ministério, através do Instituto do Património Cultural (IPC).
O crioulo cabo-verdiano é a língua materna em Cabo Verde, embora com variantes entre algumas ilhas, e nos últimos anos intensificou-se o movimento da sociedade civil a pressionar a sua elevação a língua oficial.
O artigo 9.º da Constituição da República de Cabo Verde, de 1992, define apenas o português como língua oficial, mas também prevê que o Estado deve promover "as condições para a oficialização da língua materna cabo-verdiana, em paridade com a língua portuguesa".
Um grupo de quase 200 personalidades cabo-verdianas lançou em 2022 uma petição também nesse sentido e pediu apoio do chefe de Estado, José Maria Neves, para a promoção da língua, anunciando que pretende criar uma associação em prol do crioulo, não só para a sua oficialização como língua nacional, como para ensino e padronização.
RIPE (PVJ) // VM
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