Em causa está uma proposta de alteração à Lei de Bases do Orçamento, que atualmente prevê a possibilidade de endividamento interno de até 3% do Produto Interno Bruto (PIB), com o Governo a utilizar os impactos económicos - como a queda de quase 15% do PIB em 2020 -, e sanitários - como o aumento de despesa e queda de receitas, provocados pela pandemia de covid-19 -, para defender que é preciso acautelar estes cenários em termos legais.

"Faz-se necessário rever a Lei de Bases do Orçamento, no tocante ao limite do endividamento da Administração Central, aditando-se um artigo, que permite a flexibilização dos limites orçamentais, em linha com as boas práticas internacionais", justifica o Governo na proposta, a que a Lusa teve acesso e que necessita de maioria de dois terços de deputados para ser aprovada, daí que só os votos da maioria que suporta o executivo (MpD) não sejam suficientes.

No documento, o Governo liderado por Ulisses Correia e Silva recorda que "diversos países, de acordo com recomendações de instituições internacionais especializadas, introduziram cláusulas de salvaguarda nos respetivos quadros de regras orçamentais ao longo dos últimos anos, especialmente, após a crise financeira mundial", permitindo "conferir alguma flexibilidade às regras para fazer face a eventos raros".

"Existem um conjunto de circunstâncias, que estão fora do controlo do Governo, tais como, recessão económica grave, catástrofe natural, catástrofes sanitárias e outras, bem como emergências públicas, que determinam o princípio de flexibilização das regras orçamentais", lê-se ainda.

Em concreto, a alteração proposta à lei que estabelece as Bases do Orçamento do Estado define que "nos casos de recessão económica, catástrofe natural e sanitária, bem como de emergência pública, com impacto na diminuição de receitas e ou no aumento de despesas", o défice do Orçamento do Estado financiado com recursos internos pode "exceder 3% do PIB a preço de mercado, não podendo ultrapassar 5% do mesmo".

Também prevê que o saldo corrente primário possa ser negativo, "não podendo ultrapassar o limite de 6% do PIB".

Esta proposta já foi apresentada na semana passada, pelo Governo, aos três partidos políticos representados na Assembleia Nacional e é semelhante à alteração pontual proposta pelo executivo na discussão do Orçamento do Estado para 2021, em dezembro, e do Orçamento Retificativo para este ano, em julho.

Em ambas as circunstâncias, essa alteração pontual foi 'chumbada', devido aos votos contra dos deputados do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição), apesar dos votos a favor da bancada do Movimento para a Democracia (MpD) e da União Caboverdiana Independente e Democrática (UCID, oposição).

Sobre esta nova proposta, o vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças, Olavo Correia, explicou que o objetivo é "munir o país de um enquadramento mais ajustado a cenários de crise", como a atual pandemia de covid-19, "ancorado num quadro de maior previsibilidade e estabilidade governamental".

É que a atual Lei de Base do Orçamento do Estado de Cabo Verde, acrescentou Olavo Correia, "foi desenhada para um contexto de expansão da atividade económica" e "efetivamente não está talhada para um conjunto de cenários e situações extraordinárias, que têm uma probabilidade diminuta de se efetivarem, mas que podem acontecer", pelo que será proposta esta alteração.

"Isto para permitir que tenhamos um respaldo legal que vigore dentro da normalidade, mas que preveja situações de exceção e de flexibilidade para os casos em que o Governo possa ter de intervir para além dos parâmetros fixados na atual lei", disse.

Assim, nos casos de recessão económica, catástrofes naturais e sanitárias e choques de origem interna ou externa, como de emergência pública e outros -- "com impacto na redução das receitas e/ou no aumento da despesa" -- seria possível, com esta alteração, que o défice orçamental financiado pelos recursos internos passasse de 3% para 5% do PIB "a preço de mercado" e igualmente que o saldo corrente primário possa ser negativo, "não ultrapassando o limite dos 6% do PIB".

Este cenário, detalhou, ficaria subjacente a uma situação de "diminuição das receitas de pelo menos 5% em relação ao Orçamento Base", ou "num aumento das despesas de pelo menos 5%, igualmente em relação ao orçamento base".

"Acontecendo algum destes cenários, o défice do orçamento financiado com recursos internos [emissão de dívida interna] e o saldo corrente primário poderiam ser ajustados em função dos limites propostos. Esta proposta daria conforto e credibilidade a qualquer Governo que venha a deparar-se com as situações já mencionadas, dando-lhe assim margem para agir em tempo útil e oportuno - a bem dos cabo-verdianos", referiu Olavo Correia.

A dívida pública (global) de Cabo Verde cresceu 8,6% no segundo trimestre deste ano, para 269.158 milhões de escudos (2.452 milhões de euros), face ao período homólogo de 2020, representando 153,3% do PIB, segundo dados oficiais divulgados este mês.

Cabo Verde atravessa uma crise económica devido à ausência de receitas do turismo desde março de 2020, face à pandemia de covid-19, setor que garantia cerca de 25% do PIB do arquipélago.

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