Os trabalhos, ao abrigo de um programa do Governo cabo-verdiano, começaram pela Baía das Gatas e já chegaram ao bairro de Alto de Bomba, cidade do Mindelo, onde a maioria destas mulheres mora.

Mostram-se destemidas, sem se incomodarem com o preconceito que poderá existir, ou não fosse este um trabalho típico de homens.

Apesar da dureza, o trabalho também ajuda a pôr comida na mesa para os cinco filhos, como explica à Lusa Maísa Fortes, de 29 anos, que se assume como a líder deste grupo constituído por 10 mulheres.

"Todos somos seres humanos, temos poder e capacidade de fazer trabalho igual, independente de ser homem ou mulher", assegura.

Maísa Fortes tem duas jornadas de trabalho. De calceteira das 07:00 às 14:00, e depois de vendedora ambulante. Antes, percorria aquela zona a vender ora legumes, ora roupa. A pandemia fez baixar as vendas e teve de procurar outras formas de conseguir um rendimento extra.

Daí que o convite feito pelo projeto governamental "Outros Bairros", para fazer formação de calcetamento, foi rapidamente aceite e encara agora o trabalho como outro qualquer, recusando a ideia de haver uma profissão para homens e outra para mulheres.

Ainda assim, admite que há "muita diferença" entre o trabalho desempenhado pelo homem em relação ao feito pela mulher. Desde logo pela "flexibilidade" das ideias da mulher, enquanto o homem dificilmente muda de opinião, receando perder o emprego para a mulher.

"Não dizem diretamente, mas sentimos que isso acontece. É um trabalho de obra, há algumas coisas que não dominamos, no caso por exemplo da construção das paredes, e percebo que só vão nos passando alguma informação, transmitem-nos apenas 25% do que deveriam", admite a jovem calceteira.

Por isso, acrescenta que a mudança de mentalidades é feita para fora, como também dentro do ambiente de trabalho, com alguns dos ajudantes.

"Outros Bairros" é um projeto do Governo, através do Ministério de Infraestruturas, Ordenamento do Território e Habitação, que pretende intervir nos bairros informais de Cabo Verde, permitindo a sua transformação, através da reabilitação, revitalização e acessibilidades.

A pandemia levou também Adelaide Gomes, 28 anos, outra calceteira, a canalizar a sua energia para outros horizontes.

Conta à Lusa que perdeu o emprego numa residencial devido à escassez de turistas, há pouco mais de um ano. Depois, tal como as colegas, fez a formação no âmbito daquele projeto e há seis meses começou a trabalhar como calceteira, garantindo mais condições às estradas, através do calcetamento.

A experiência destas mulheres começou pela localidade de Baía das Gatas, onde trabalharam por quase um mês, enquanto esperavam a chegada de saneamento e pela construção de algumas paredes na localidade onde estão agora.

Essas trabalhadoras ganham 180 escudos (1,60 euros) por metro quadrado de calcetamento, através do projeto "Outros Bairros", e o salário depende por isso da produção de cada uma.

Mas a maior motivação, como frisa Adelaide, não está no dinheiro: "Temos orgulho, ainda, pelo facto de trabalharmos na nossa zona".

Diferente das outras colegas, aos 35 anos, Silésia Pereira encontrou no calcetamento o primeiro emprego. Uma "grande" mudança que lhe permite sonhar mais alto e aos poucos melhorar a vida dos três filhos e as condições da "casa de lata" onde mora.

Retrata a convivência no meio laboral como sendo boa, entre homens e mulheres, apesar de perceber no princípio alguma resistência por parte dos homens. Aliado a isso, assegura que o retorno do trabalho que recebe dos outros moradores é "bastante positivo".

A trabalhar na entrada da subida para o Alto de Bomba, estas mulheres e os seus ajudantes substituem o castanho da terra batida dos caminhos anteriores por calçadas que nascem à força de braços.

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