Lançaram-me um desafio que decidi aceitar: escrever uma crónica sobre o que se passa atualmente na minha vida, na vida dos outros à minha volta, na vida das indústrias culturais e do espetáculo na qual me insiro. Na vida em geral, de acordo com a minha visão.
Mas quem sou eu para escrever sobre a minha opinião quando, hoje em dia, todos sentimos que temos direito à nossa opinião manifestada de forma pública e que, ainda por cima, alguém nos vai ler ou ouvir?
Sou assessora de imprensa / promotora de bandas, músicos, eventos e projetos de diversas áreas culturais. E sou uma privilegiada.
Tenho a sorte de, há mais de 10 anos, trabalhar numa área que me motiva, que me faz levantar da cama todos os dias com vontade de fazer mais e melhor, e que entretém, dá alegria e alento a tanta gente no mundo.
Trabalhamos para o lazer dos outros e, embora seja uma profissão sem o glamour que normalmente lhe associam, é, sem dúvida, e no mínimo, gratificante.
Tal como muitos outros, estou nos bastidores do entretenimento.
Normalmente, rodeada de jornalistas, gerindo horários de entrevistas, conteúdos específicos e criativos para cada um e tentando receber da melhor forma quem visita “a minha casa”.
Partilho esse espaço com equipas que montam recintos e palcos, com técnicos que operam de forma maravilhosa as luzes, som e vídeo dos artistas que sobem aos palcos espalhados por todo o país, com produtores, agências, músicos de sessão, entre muitos outros.
É importante que se tenha noção da quantidade de pessoas válidas e excelentes profissionais que compõem esta indústria e que, todos os dias, se propõem a diversificar e enriquecer a oferta cultural em Portugal.
Muito recentemente, essas luzes apagaram-se e os palcos ficaram completamente vazios, as salas fecharam e os bastidores, onde me incluo, são agora ocupados pelo silêncio de uma indústria inteira parada.
E em relação a isto, parece-me que há muito a dizer.
Antes de mais, os bastidores não pararam. E a cultura não está de quarentena.
Tem sido gratificante ver colegas e grupos de trabalho de diversas áreas a dedicar dias e longas horas de trabalho a soluções e propostas que envolvem entidades oficiais, entidades privadas e, acima de tudo, soluções de compromisso para que todos os envolvidos nesta enorme indústria sobrevivam. Da forma possível, mas ativos.
As pessoas que partilham profissão puseram de lado tudo aquilo que, eventualmente, as afasta em nome da sobrevivência das artes e espetáculos, mais especificamente, da música, área que conheço melhor e que acompanho mais de perto.
Felizmente, os valores humanos não se encontram só na parte mais visível e tão importante das áreas diretamente associadas à saúde, mas também noutras áreas que nos envolvem a todos, seres humanos, cada um com a sua função.
E é de humanidade que se trata este momento.
Desde dia 12 de março que a minha principal função tem sido a de acalmar, tranquilizar e apoiar as pessoas que me são mais próximas, os meus clientes que, felizmente, em muitos casos, já posso chamar de amigos, os meus parceiros e também colegas.
Dizem-me que sou naturalmente programada para momentos fortes de crise. É possível.
A verdade é que toda a vida fui preparada para arregaçar as mangas, chegar-me à frente, procurar soluções e amparar as pessoas. Tudo isso se torna muito mais útil e necessário nestes momentos.
Sinto que estamos a viver em sociedade, as cinco fases do luto (termo que se utiliza em psicologia):
* Negação - “Isto não é nada e passa como qualquer outra gripe”;
* Raiva - “Mas como assim vou ter de ficar em casa? E os miúdos agora também não vão à escola? E quem paga tudo isto?”;
* Negociação - “Tem de haver uma alternativa a ficar em casa? E se for só jantar com os amigos mais próximos?”
* Depressão - “O mundo vai acabar e eu não tenho alternativa. Não tenho força nem vontade de fazer nada”.
* Aceitação - “Perante este novo cenário e circunstâncias, como posso ser útil e viver este momento da melhor forma?”
Esta é apenas uma analogia minha sem qualquer fundamento científico mas é assim que tenho sentido a vida à minha volta. Da mesma forma que sinto que estou programada para, rapidamente, passar para a fase da aceitação.
Aceitar os factos, neste caso assustadores e desesperantes, e partir rapidamente para as soluções possíveis mas com a tranquilidade que a situação requer. E com o espírito de colaboração e respeito que também é exigido.
Não é possível cada um de nós controlar o vírus e/ou possível infeção.
Não é possível cada um de nós prever ou antecipar tudo aquilo que vai acontecer.
Não é possível haver soluções imediatas para todas as questões que nos preocupam e “atacam” neste momento.
Também já não é possível negar tudo o que está a acontecer à nossa volta.
Antes de mais, é possível e obrigatório cumprir as indicações oficiais. Por nós e pelos outros.
E é possível ter calma, tranquilidade, paciência e confiar naqueles que nos rodeiam, seja a um nível mais próximo e privado ou a um nível mais global. São os seres humanos que temos a desempenhar cada função. Sendo que cada um de nós também tem a sua e deve desempenhá-la com brio.
Para tentar manter esta calma é preciso ter noção de que ninguém precisa de saber, neste momento, se haverá um novo surto em outubro ou não. São estudos que deveriam ser partilhados com quem pode e tem de atuar sobre isso mas não com as pessoas que ainda estão a digerir o facto de terem de ficar em casa até fim de abril.
Para tentar manter esta calma não precisamos de saber o que vai acontecer em junho, julho, agosto com os festivais de verão, as férias, os eventos agendados. Antecipar é problemático e causa ansiedade e pânico. Temos de dar espaço a quem gere esses assuntos para reunir informação, tomar decisões ponderadas e poder atuar da melhor forma de acordo com o que as circunstâncias dessa altura permitirem.
Para tentar manter esta calma temos de acreditar nos grupos de trabalho que lutam todos os dias para que os palcos voltem a receber espetáculos, os bastidores voltem a estar repletos de gente e toda a indústria volte a operar.
E para tentar manter esta calma, temos de acreditar em nós e na diferença que podemos fazer todos os dias por nos envolvermos com as coisas, dando a cara e arregaçando as mangas quando realmente interessa, quando podemos fazer a diferença e inspirar a mudança num tempo que também permite reflexão.
De um dia para o outro tudo mudou. E temos de nos adaptar. Mas se colocarmos de lado o individualismo e mundo egocêntrico em que vivemos nos últimos tempos, muito provavelmente seremos surpreendidos com soluções vindas dos sítios mais inusitados.
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