A democracia é como a liberdade de expressão: toda a gente gosta até ao dia em que lhes faz comichão. Percebemos isso depois da eleição do, agora deputado, André Ventura, do partido CHEGA, que habita ali nos limites do ridículo e da extrema-direita. Gritos e urros de revolta das mesmas pessoas que se insurgem contra a abstenção e que dizem “Votar é sempre melhor do que não votar, seja em qualquer partido ou em branco ou nulo” e que agora criticam o voto de 66 mil pessoas. Estamos a falar de 66 mil pessoas apenas. 0,6% da população. Não é nada! Somos um país impecável. Sim, é um facto que não estou a contar com os bebés que ainda não podem votar e todos sabemos que os bebés são um bocado ditadores e extremistas, mas mesmo assim estamos muito bem.
A democracia é assim: conviver com ideias e pessoas de que não gostamos. André Ventura foi eleito democraticamente, apesar de defender alguns valores que podem ser considerados antidemocráticos. Haverá quem diga que esses valores também estão presentes no outro extremo e talvez seja verdade. As pessoas comparam ambos os extremos para desculparem os ideais da treta que têm, seja de que lado for. Apesar de não gostar de nenhuma das pontas, temos de perceber que os ideais da extrema-esquerda em Portugal assentam (ou parecem assentar) na premissa “Somos todos iguais e devíamos ter todos as mesmas oportunidades” enquanto que a extrema-direita de André Ventura diz “Somos todos iguais desde que não tenhas outra etnia, nem outra orientação sexual, nem tenhas vindo de outro país”. Convenhamos que as premissas são diferentes e, por isso, é normal que a extrema-direita seja mais falada pela negativa. Se, depois de chegarem ao poder, ambos os extremos sejam igualmente perigosos e na história tenham causado muitas mortes (a esquerda até bem mais nos países comunistas), o que é certo é que neste momento e contexto um parece vir de um fundo de igualdade e o outro de um fundo de diferença. Quando faço piadas com a extrema-direita, sou ameaçado de porrada. Quando faço piadas com a extrema-esquerda, tentam calar-me e bloquear-me nas redes sociais. E esta é uma das grandes falácias do momento: que a extrema-direita é a defensora da liberdade de expressão. Não é. Só é até serem o alvo de piadas ou comentários que não apreciam porque aí gostam de ameaçar e partir para a violência. A extrema-esquerda também está conspurcada com o politicamente correcto e a tentativa de calar quem não diz o que eles gostam de ouvir, mas por norma não ameaçam tanto de porrada até porque muitos são vegans e, por isso, mais lingrinhas e com fraqueza nas pernas.
Pergunta: há assim tanta diferença entre o Chega e o CDS? Ambos misturam religião na política; ambos acham que o casamento deve ser apenas entre pessoas de sexos diferentes; ambos gostariam de proibir o aborto e de manter a eutanásia proibida. São ambos o chamado “pró vida”, sem se interessarem com a liberdade de escolha dessas vidas que defendem, claro. Não percebo o alarido quando já tivemos pessoas no governo que defendem a mesma castração das escolhas de uma parte da população. Aliás, os votos do Chega talvez sejam explicados pela diminuição dos votos no CDS. Devem ter sido os seguidores mais retrógrados a mudar de voto porque o lugar das gajas é na cozinha. Estou apenas a falar das medidas de caracter social e não das económicas ou políticas porque foram as primeiras que moveram quem votou nele, pois foram a mais faladas na comunicação social e é óbvio que se os eleitores no geral não lêem os programas, os do André Ventura ainda lerão menos. No geral, também.
O André Ventura é como a CM TV, talvez por isso seja comentador residente desse canal, e fomenta o medo numa população mais desinformada. Fala como se Portugal fosse um antro de crime violento quando somos o terceiro país mais seguro do mundo. Acho que há quatro tipos de pessoa que votaram no André Ventura:
1. Ignorantes no geral que votaram sem saber o que ele defende, apenas porque é do Benfica e aparece na televisão.
2. Pessoas que têm sido maltratadas pelo sistema político, que viram pensões e ordenados cortados e que vivem em zonas com alguma criminalidade e que são permeáveis ao discurso do André Ventura que fomenta o medo;
3. Betos que vivem numa bolha e que não gostam de minorias porque uma vez andaram de autocarro e acharam que cheirava mal.
4. Pessoas efectivamente racistas, homofóbicas e xenófobas.
Acho que a maioria dos eleitores se situa no 2.º tipo e que as do 4.º tipo são a minoria. Os do último tipo vão sempre existir, gente idiota haverá sempre, por muito boa que seja a educação de um país. As do 1.º também. As do 3.º é dar-lhes duas chapadas com um gato cigano morto até ele pedir um subsídio. As do 2.º tipo existem muitas e a culpa não é do André Ventura. A culpa é dos sucessivos governos PS e PSD (e aliados) que lhes foram roubando qualidade de vida enquanto enchiam os seus bolsos e dos familiares. Este sentimento de revolta, aliado a uma fraca educação e escolaridade em muitas zonas (culpa também dos que passaram pelo poder), faz com que o André Ventura, que até fala bem e tem bom aspecto, lhes pareça a solução contra esta “corja de corruptos”. Não é, mas eles não sabem isso, estão só revoltados e querem mudança. É preciso perceber o fenómeno para o conseguir combater e esse combate faz-se com discurso, com educação e não a chamar fascistas a todos aqueles que votaram nele. Quando se faz isso, apesar de eu não achar que devamos ser tolerantes com os intolerantes, estamos a cair na ratoeira que eles montaram.
Agora, talvez vá fazer aqui a pior ofensa ao André Ventura: ele não é fascista. Nem de extrema-direita me parece que seja. Ele é um boneco que, inspirado pelo Trump, diz o que achar que lhe garante mais votos junto dos descontentes e desinformados. Ele é um gajo de centro-direita com algumas ideias mais radicais e outras mais liberais e que gosta de provocar porque sabe que vivemos num tempo em que controvérsia gera atenção e atenção gera votos. Diria até que o André nos dá jeito, porque serve como escudo humano para que não se elejam verdadeiros fascistas como os do PNR ou aqueles que fazem conferências nazis. O André não quer mudar nada, o André quer poleiro e, por isso, se ganhar mais votos e mais deputados no futuro, vai ficar moderado e aliar-se a um partido do sistema que lhe garanta a sobrevivência política. Ele sabe que Portugal não voltará a ser uma ditadura fascista, pelo menos não nos próximos 50 anos. Estamos bem. Somos dos países do mundo menos homofóbicos, racistas e xenófobos e não é o André Ventura que vai mudar isso.
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