Portugal é um país em que na TV anunciam os “100 anos das aparições de Fátima” mas que fica chocado com um aeroporto com nome de uma pessoa que existe. Somos uma nação com uma enorme paixão pela ficção científica.

A semana passada, vários serviços noticiosos rejubilaram com a canonização de Francisco e Jacinta Marto. Sempre imaginei que nos filmes pornográficos, passados no Vaticano, tudo começava com uma senhora dona de casa que está sozinha e manda chamar um canonizador… ele vai lá a casa canonizar e etc.

Mas vamos ao que interessa. Quem foram Jacinta Marto e Francisco Marto? Os Irmãos Marto, ao contrário do que o nome pode fazer crer, não eram trapezistas. Ficaram famosos por fazer parte do grupo de pastorinhos mais conhecido como os Videntes de Fátima.  Na realidade, conhecemos melhor o trabalho da prima dos Marto, Lúcia Rosa dos Santos — nome artístico, Irmã Lúcia — mas, na realidade, o trabalho dos manos Marto foi o mesmo de Lúcia: ver Nossa Senhora em cima de uma árvore.

Segundo reza a lenda,  a diferença entre os três videntes é que Lúcia via, ouvia e respondia a Nossa Senhora. Jacinta ouvia mas não falava com Maria. E Francisco via mas não ouvia. Na verdade, custa-me a acreditar que o Francisco não ouvisse. Deve ter feito como eu faço quando vejo mulheres à conversa: desligo.

Francisco, segundo a sua prima Lúcia, era um rapaz calmo e com jeito para a música, nomeadamente para o pífaro. Isto dito por uma prima dava uma canção do Quim Barreiros. Tenho pena que assim tenha acontecido. Se Lúcia diz que o primo era muito dotado para a música, Nossa Senhora pode ter dado cabo de uma carreira musical. Estamos a falar de uma vidente que marcou o nosso país e que aponta futuro na música para o primo. Não sei se ela é menos que o Manuel Moura dos Santos. Se pensarmos que, por exemplo, Jesus podia ter tido um enorme sucesso na carpintaria, e podia ter sido o dono do primeiro IKEA da Galileia, mas como a mãe lhe arranjou aquele pai, foi o que se viu. Chegamos à conclusão que, e não me levem a mal pessoas que têm o culto Mariano, Maria parece a Yoko Ono da malta com sucesso.

Jacinta Marto foi para algumas pessoas a melhor do grupo. Era a que tinha visões de maior qualidade e a certa altura pensou largar os Pastorinhos e seguir uma carreira a solo com visões ligadas a um imaginário menos rural, como ver o Elvis a pairar sobre uma plantação de papoilas.

Confesso que o Francisco Marto sempre foi o meu favorito. Era um miúdo de nove anos e aposto que preferia ter ficado a jogar à bola que ter sido beatificado. Ainda aqui há uns anos, quando, por razão de álcool a mais, fui visitar o museu de Fátima, foi o boneco de cera do Francisco que eu roubei. Está na entrada de minha casa com uma bandeja para pôr as chaves e é um sucesso.

A canonização dos irmão Marto é mais que merecida. O trabalho de Francisco e Jacinta ainda não tinha sido suficientemente valorizado.  Reparem que, se calha Lúcia ter dito que viu sozinha Nossa Senhora numa árvore, o único impacto que teria era a sua mãe, Maria Rosa, conseguir, finalmente, convencer o pai a vender o arado para comprar uns óculos para a filha. Ter duas testemunhas é essencial se queremos ser credíveis, quer seja em manifestações de natureza transcendental, divórcios ou acidentes de trânsito.

Sugestões do autor: 

Um filme – Estreou esta semana o último filme de um dos meus realizadores favoritos, e autor do notável "Old Boy", o sul coreano Chan-Wook Park. "A Criada (Ah-ga-ssi)", a não perder

Um festival – espaço cultural Carmo’81, em Viseu, começou no passado sábado a segunda edição do festival Cult.Urb. Na Rua do Carmo, 81, no centro histórico de Viseu,  até ao fim do mês  pode ver concertos de algumas bandas (Memória de Peixe, PAUS, Mirror People) assistir a masterclasses (João Salaviza, Rui Zink ) workshops, etc. Dê um salto a Viseu.

Um disco – O álbum Língua Franca, que junta os rappers portugueses Capicua e Valete aos brasileiros Emicida e Rael. O primeiro single deste colectivo lusobrasileiro, 'Ela', foi publicado na passada sexta-feira e é imperdível.