É que parece, de facto. Às vezes dá mesmo a ideia de que a morte existe só para nos atrapalhar os planos. Temos um jantar combinado com a namorada, e ao final da tarde somos atropelados por uma trotineta, vamos contra uma velha, batemos com a cabeça no chão e antes que chegue o INEM já o nosso cadáver está a ser comido por pombos. Fica a miúda sozinha no restaurante a mandar whatsapps a ralhar connosco e nós não respondemos, mas nem é por mal, é só porque a morte nos atrapalhou.

Um amigo irlandês vem visitar-nos para passar três dias em Lisboa a beber cerveja em copos cujo tamanho é normal para nós e ofensivamente pequeno para ele, e o avô morre-lhe umas horas antes de ir para o aeroporto. É claro que o velhote não fez por mal, diz-me o neto que ele até viveu o que tinha a viver e que vai ficar em Belfast a beber umas Guinness por ele, mas a morte parece que nunca tem em conta os planos dos outros.

Vamos de férias com o nosso grupo de amigos para Madagáscar e um amigo mais afoito que andava a fazer carreirinhas acaba enrolado numa onda e quando se vai a levantar pisa uma alforreca autóctone, daquelas venenosas e mais pequenas que parecem um pepino chinês e acaba morto a espumar da boca de tal forma que se houvesse um anão por perto podia ele próprio ali fazer carreirinhas. E isto logo a meio das férias. A morte não tem o mínimo de sentido de oportunidade.

Sempre a atrapalhar. Ou quase sempre. Há vezes em que a morte é oportuna, como quando agarra um ditador. Quer dizer, nem aí. Oportuno teria sido que a cadeira se tivesse partido antes sequer de chegar a ditador. Portanto, se calhar nem isso.

É que a morte atrapalha, mas não só. A morte mata e a morte mói. A morte vaza e a morte dói. No fundo, a morte é uma merda e de uma inutilidade mortífera. Pelo menos, pensamos nós todos quando estamos lá com o nosso mau feitio em que achamos que tudo é assim tão mau.

Mas há dias em que podemos achar que a morte só nos atrapalha os planos, e nada mais que isso. Isto digo eu agora, que está sol e a seguir vou beber uma caipirinha.

À espera que a morte não atrapalhe.

Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:

- Família: Série documental da Netflix.

- Born a Crime: Livro incrível do Trevor Noah.