Morreu aos 61 anos o actor José Lopes. Assim escrito era uma notícia triste e mais uma estrela perdida no firmamento artístico. Acrescente-se que foi encontrado morto na tenda, na qual vivia precariamente, por um amigo. Sem rendimento mínimo, sem ajuda de amigos. As redes sociais ficaram ao rubro, indignação, ataques às deficiências do Estado, da solidariedade dos amigos. É triste, é justíssima a indignação.

Qualquer pessoa que saiba pouco sobre o que é a realidade dos sem-abrigo talvez levante questões como: estava a viver na rua há quanto tempo? Opção sua? Manteve-se a viver na rua apesar de ajudas de terceiros?

O quadro mental de muitos sem abrigos implica comportamentos e decisões que são, na maioria das vezes, incompreensíveis para a dita sociedade normalizada. Há uns anos conheci um sem-abrigo que, durante uma parte da sua vida, foi músico. Disse-me que não queria ir viver com pessoas, que se tinha ajustado à rua. Insisti. Não queria ajuda, queria que o deixassem em paz. Não queria ter contacto com a família, porventura por vergonha. Estava na rua há três anos e pouco e sofria de diabetes. Bebia. Sempre que podia beber era um consolo. Dizia como no fado, bebo para me lembrar que bebo para esquecer. Dormia perto do Lux, em Lisboa, por vezes na Gare do Oriente, mas “não gramava os polícias que andam por ali”. Com o tempo foi tendo gestos e comportamentos que o denunciavam, falava alto consigo, cantava, não era simpático. Existem em Lisboa demasiados sem-abrigo.

Não vejo o Augusto há cinco ou seis anos.