Um artista da música compra uma mansão e cria um bunker para ele e os mais chegados sobreviverem ao apocalipse. No Japão já não há espaço para guardar as águas radioactivas de Fukushima, a Amazónia esteve a arder e as notícias sobre o tema pegaram fogo, chamuscando Bolsonaro. Com ou sem golas inflamáveis, a vida prossegue, indiferente ao significado de tudo isto. Há notícias para todos e para todos os gostos, de acordo com as dicas que damos aos algoritmos para nos criarem uma dieta mediática pessoal e personalizada, que nos mostra o que supostamente queremos ver, deixando de fora tudo aquilo que esse mesmo algoritmo interpreta como irrelevante. Ligamos a TV e as noticias da manhã repetem-se à tarde e à noite, numa reciclagem de temas, protagonistas e assuntos do que, aparentemente, está na ordem do dia.

Amazónia ardeu durante semanas até que alguém desse por isso. Falso alarme, afinal era uma continuação do que já antes acontecia ou a culpa foi do actual presidente? Repetiram-se as intervenções e acusações, ignorando pormenores tão simples quanto o facto do Brasil ser um dos maiores produtores de soja. A soja não cresce nas árvores e, principalmente, não precisa de árvores para crescer. Numa palavra: desmatamento. O Brasil é um dos maiores exportadores de carne de bovino. Bovino não cresce nas árvores. Bovino precisa de pasto. Numa palavra: desmatamento. Não aconteceu tudo agora e há registo anterior de incêndios igualmente graves. O actual presidente tem culpas no cartório mas não agiu isoladamente nem as suas acções podem ser consideradas incendiárias ou o único motivo pelo qual a Amazónia continua em perigo. Já passou, já não há grandes parangonas nos jornais… Não passou e, antes que comecem a afiar o lápis para me acusar de ser defensora de Bolsonaro, façamos esse exercício de pensar: porque é que as notícias são como são, porque razão um determinado facto ou acontecimento se instala repentinamente na agenda pública, que interesses lhe são subjacentes e o que motiva essas notícias. Não. A culpa também não é (só) dos jornalistas. É principalmente nossa, quando não prestamos a devida atenção ao que acontece no mundo e que damos como certo aquilo que os media nos mostram. Há por aí muito trabalho encomendado tal como houve desleixo em deixar passar, ao lado, os factos sobre a Amazónia. Cruzemos fontes para perceber que o desmatamento não é novo, identifiquemos dados para concluir que, afinal, já houve anos piores e que ninguém falou sobre isso. Ou se calhar falou mas não nos lembramos, ou temos memória selectiva.

O mundo está a arder e isso é o que importa saber. Para além dos incêndios na Amazónia, com reflexo em outros países para além do Brasil, há incêndios dignos de registo na Rússia, na Ásia e em África: como explicou, há dias, um representante da Greenpeace, se um dos lugares mais frios do mundo e um dos lugares mais húmidos do mundo está em chamas, algo de muito errado está a acontecer. A Sibéria registou dos piores incêndios de sempre, com 10 milhões de hectares ardidos. Algo equivalente está a acontecer na Indonésia, no caso não por causa da soja ou da carne, mas por causa desse outro produto que usamos todos os dias e que também ameaça gravemente o meio ambiente: plantações de palma, para produção de óleo, celulose e papel. Agora vamos ver as notícias e perceber quem falou sobre isto, escolheu a vida dos famosos, a polítiquice nacional ou o tão amado futebol. Pois é, talvez o rapper americano que decidiu construir um bunker não seja assim tão parvo.