O futuro vai ter a muito trumpista Isabel Díaz Ayuso, como líder do Partido Popular (PP) em modo “direita pop” a presidir ao governo de Espanha em entendimento com a direita ultra do Vox? É uma possibilidade que nas últimas horas ganhou alguma probabilidade para depois das próximas eleições gerais — com data incerta.

Isabel Díaz Ayuso, em apenas 48 horas, conseguiu neutralizar o ataque fratricida que lhe dirigiu o líder do PP, Pablo Casado, e convertê-lo num contra-ataque que vai destronar a atual presidência do partido e, talvez, passá-la para ela.

A guerrilha entre Casado e Ayuso resulta de um choque de egos.  Tudo passa pelas ambições pessoais. Casado percebeu que Ayuso estava a ganhar palco e pensou ter trunfos para derrubar a dirigente em ascensão com a acusação de presumíveis irregularidades, enquanto presidente da Comunidade de Madrid, na adjudicação de uma compra feita sem concurso público a uma empresa ligada ao irmão. 

Casado usou todas as munições para atacar Isabel Diaz Ayuso numa entrevista na sexta-feira à rádio Cadena Cope: “Independentemente de ser ilegal, a questão é se é compreensível que a 1 de Abril, quando em Espanha morriam 700 pessoas [por causa da pandemia], tenhas feito um contrato com o teu irmão com um ganho de 286 mil euros por vender máscaras”. Dito isto, a direção do PP, presidida por Casado, anunciou um processo interno de investigação a Ayuso.

A radicalização verbal que o PP costuma aplicar no combate com o PSOE e o governo das esquerdas voltou-se contra o PP e com os dois máximos dirigentes como protagonistas no duelo.

Ayuso acusou Casado de “montar um plano cruel” contra ela. Os media entraram em efervescência a contar os bastidores desta história. Falou-se de “Ayusogate”: Casado contratou um detetive para investigar contratos assinados pela correligionária dirigente. Apareceu quem acusasse Casado de métodos ao estilo Frank Underwood, da série "House of Cards".

O espetáculo da gritaria entre os rivais dentro do mesmo partido deixou em sobressalto os vários barões regionais do PP, à cabeça de todos Alberto Núñez Feijóo, o mais respeitado, presidente do PP na Galiza onde acumula triunfos por maioria absoluta. Feijóo é um dirigente da direita moderada, dialogante, repetidamente apontado como talhado para líder do PP e futuro presidente do governo de Espanha. Colocou-se como mediador e exigiu “armistício quanto antes” entre Casado e Ayuso.

Apesar de se declarar “equidistante”, Feijóo, ao exigir armistício tirou o tapete a Casado, que avaliou mal a correlação de forças: Ayuso é uma feroz competidora e foi mais eficaz a juntá-las. Uma manifestação à porta da sede do PP exigiu a demissão de Casado e reivindicou Ayuso para a liderança.

As movimentações internas no PP levaram Casado a dar o caso como encerrado, isto apesar de nem ele nem Ayuso terem mostrado alguma evidencia documental sobre as gravíssimas acusações que desencadearam este terramoto político no PP espanhol. Casado não mostrou provas que suportassem as acusações que fez; Ayuso, para se defender, apenas lançou acusações contra a direção do líder do seu partido.

É a oposição à esquerda quem já requereu à procuradoria que investigue. Está a investigar.

Resulta evidente que o que moveu esta guerrilha não foi a intenção de cumprir a lei e investigar o presumível abuso de dinheiros públicos, mas a ambição de eliminar uma adversária. É um método que deixa Pablo Casado derrotado.

Isabel Díaz Ayuso, apesar de com a sombra das suspeitas a pairar sobre ela, leva a melhor sobre Pablo Casado. Ayuso tem em Madrid fortíssimo apoio para vir a ser eleita presidente do PP e impor um projeto populista de aproximação às políticas e aos modos do Vox.

Ayuso na liderança do partido significa o PP puxado para a direita e a deixar (para o PSOE?) o eleitorado centrista.

Mas o PP é muito mais do que as movimentações na capital de Espanha. Há muita gente PP nas diferentes regiões que não se deixa seduzir e até rejeita o estilo “direita pop” de Ayuso. Há muita gente que deseja ver Feijóo na liderança. Mas a máquina de Ayuso é poderosa e pode ser imparável.

É incontornável a convocatória de um congresso do PP para discussão e eleição da estratégia e da liderança do partido. Ayuso vai, de certeza, a jogo. Feijóo, apesar de muito pressionado na Galiza e noutras regiões, não tem grande vontade.

Se Ayuso ganhar o congresso, o PP vira à direita e forma uma frente com o Vox. No sistema mediático de Madrid, há muita pressão a favor desta opção. Com o galego Feijóo, o PP fica ao centro e fecha portas ao Vox.

Esta turbulência no PP coincide com crescimento constante da extrema-direita Vox em sucessivas eleições regionais – há uma semana em Castela e Leão, o Vox disparou de um para 13 deputados regionais – e com o governo das esquerdas presidido por Pedro Sánchez a aguentar-se, mas sempre na corda-bamba e com a sobrevivência política dependente de difíceis partidos regionais.

A sobrevivência do governo PSOE/Podemos depende essencialmente da abstenção (que tem conseguido) da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC). A cooperação da ERC depende dos avanços na “mesa de diálogo” sobre o futuro da Catalunha, tendo vindo a reclamar autodeterminação e amnistia para os independentistas catalães condenados. Para que o governo continue, vai ser necessário que a ERC congele por agora as suas exigências.

O atual ciclo político espanhol está muito frágil. Há no PSOE quem defenda que Sánchez se inspire nas lições das eleições portuguesas e aprenda. Enric Juliana concretiza no La Vanguardia: “Em tempos de incerteza, a oposição precisa de ter maturidade para poder ganhar”.

De toda esta turbulência na direita espanhola resulta uma certeza: assim, o Vox vai continuar a crescer.