Aos 74 anos, Charles Philip Arthur George (Carlos III) é o mais velho ungido na história do país, devido ao longo reinado de 70 anos de sua mãe, também o mais longo nos registos reais (ele nasceu em 1948 e Isabel II foi coroada em 1953).

Carlos assume o seu posto na idade em que a maioria das pessoas comuns chega à reforma. Uma espera frustrante, que o então Príncipe de Gales utilizou para praticar inúmeras atividades e emitir bastantes opiniões.

Não vamos maçar o leitor com a longa biografia, que pode consultar na Wikipedia, por exemplo, mas o rapaz, depois de adulto e finalmente sénior, andou sempre numa correria: tirou mestrado em História e estudou Antropologia e Arqueologia em Cambridge, cumpriu serviço na Royal Air Force e na Royal Navy, aprendeu a mergulhar e a tocar violoncelo, piano e trumpete. Aplicou-se em muitos namoros, o mais famoso com Camila Parker Bowles, e casou duas vezes, primeiro com Diana Spencer (em 1981) e depois com a mesma Camila, que realmente nunca tinha abandonado (em 2005).

Fundou e apoiou inúmeras obras de caridade, fundações e associações, onde se destacam o Prince's Trust, o Prince's Teaching Institute e o Prince's Foundation for Children and the Arts.

Entretanto, como requerido pela sua posição, participou em milhares de eventos, grandes e pequenos, 10.834 entre 2002 e 2022, para se ter uma ideia de como andou ocupado a abrilhantar casamentos, inaugurações, aberturas e fechamentos, e outras ocasiões que beneficiaram com a presença do Príncipe de Gales, em representação da rainha sua mãe, ou por direito próprio. Viagens a países estrangeiros, ou da Commonwealth, contam-se às centenas.

Carlos tem uma postura altaneira que não suscita simpatias, multiplicada por opiniões muito firmes sobre assuntos como ecologia (de que foi precursor, reconheça-se), arquitectura moderna e arte

Como os outros membros da extensa família real (os “royals”) Carlos teve uma presença constante na comunicação social e foi exposto pelos famigerados tablóides ingleses, que são um fenómeno de pouca vergonha muito característico da Grã Bretanha. Essas situações desagradáveis, por vezes injustas, outras especulativas, tiveram o seu auge na época em que se divorciou de Diana, em 1996 e quando ela morreu num acidente de automóvel, no ano seguinte.

Carlos tem uma postura altaneira que não suscita simpatias, multiplicada por opiniões muito firmes sobre assuntos como ecologia (de que foi precursor, reconheça-se), arquitectura moderna e arte. Por exemplo, sobre os edifícios modernos de Londres, afirmou que “quem destruiu a cidade não foram os nazis, fomos nós quando a reconstruímos."

Noutra ocasião, rodeado de jornalistas quando esquiava na Suíça, disse num tom audível para o filho William (Guilherme) : “Meus Deus, odeio estas pessoas!”.

Muitos ingleses disseram, em diversas alturas, que Carlos deveria abdicar da sucessão e passá-la diretamente para o seu filho mais velho, William, que é muito mais anódino e simpático. Contudo, sempre foi evidente que ele não desistiria do posto a que estava destinado, embora sabendo que, uma vez coroado, teria de se calar.

Numa entrevista, ele próprio afirmou estar ciente de que um monarca inglês não pode emitir opiniões sobre coisa nenhuma; tudo o que diz em público é ditado pelo Governo, (o caso mais extremo desta neutralidade institucional talvez seja o facto de nunca se ter sabido a opinião de Isabel II sobre o Brexit).

As primeiras sondagens conhecidas no Reino Unido foram feitas pelo Instituto Gallup (norte-americano), em 1937; a pergunta era se Eduardo VIII, que acabara de abdicar para se casar com uma americana divorciada, deveria voltar para casa. 3/5 dos inquiridos disseram que sim. Em 1946, quando Gallup perguntou qual a pessoa mais admirada no país, 24% responderam “Winston Churchill” e apenas 3% elegeram os reis.

Em 1957, à pergunta sobre o acontecimento mais importante do ano, em primeiro lugar ficou o lançamento do satélite Sputnik e em segundo a viagem de Isabel II ao Canadá. No ano seguinte, 58% acharam que a influência da monarquia no futuro do país era “pouca ou nenhuma”. Contudo, em 1973, 80% eram a favor da monarquia e apenas 11% preferiam uma república.

O entusiasmo dos súbditos pela instituição real é inequívoco e, embora flutue um pouco quando há grandes escândalos com os royals, é evidente que eles gostam muito da pompa da casa real, talvez por lhes lembrar o tempo em que a Grã Bretanha era um império mundial

A partir de 1983, as sondagens passaram para o Centro Nacional Britânico de Pesquisas Sociais, e os resultados continuaram mais ou menos semelhantes. Nesse ano, somente 3% eram contra a monarquia; dez anos depois o número subiu para 14%. Numa pesquisa mais recente, 64% por cento dos inquiridos disseram que tinham pouco ou nenhum interesse na monarquia.

No entanto, apesar destes valores, o entusiasmo dos súbditos pela instituição real é inequívoco e, embora flutue um pouco quando há grandes escândalos com os royals, é evidente que eles gostam muito da pompa da casa real, talvez por lhes lembrar o tempo em que a Grã Bretanha era um império mundial. Não registam o facto dessa pompa não refletir a situação real do país, que no período pós-Brexit vai de crise em crise, com uma notória deterioração dos serviços públicos.

Outra questão que se tem levantado, a propósito desta coroação, é a das finanças da família real. Entre outros, o jornal “The Guardian” fez uma pesquisa minuciosa sobre os bens pessoais e públicos da Coroa. A primeira conclusão é que ninguém sabe quanto eles valem, nem a Casa Real está disposta a revelar. Há uma confusão que vem de outros séculos entre os bens pessoais e os bens nacionais, entre quem paga o quê, e, sobretudo, o que possa expor a enorme riqueza dos royals.

Segundo o que o jornal conseguiu apurar, a riqueza pessoal de Carlos III soma 1,8 mil milhões de libras (2,06 mil milhões de euros). A sua principal fonte de rendimento é o Ducado de Cornwall, onde possui 54 mil hectares de terra, incluindo propriedades agrícolas, residenciais e comerciais, além de um portfólio de investimentos substanciais. A Coroa não comenta, mas é evidente que a casa real é muito, muito rica - cada vez mais rica num país cada vez mais pobre. E a coroação vai custar cerca de 200 milhões de libras (229 milhões de euros) ao contribuinte.

Carlos III já disse que quer reduzir as despesas dos royals, sem especificar quanto e como. É expectável que o faça a partir de agora, se quiser eliminar uma das maiores fontes de “atrito” com os seus subditos. Porque, na verdade, os ingleses gostam de ter um rei. Em vez da opção entre a monarquia e a república, talvez fosse mais apropriado optar por uma monarquia menos sumptuosa - como as outras casas reais europeias, que levam uma vida mais sóbria, mesmo sendo muito ricas - caso da Holanda, por exemplo.

Nas mais pequenas, algumas das quais com ressentimentos quanto ao passado colonial, retirar o rei do seu pedestal simbólico é uma maneira de afirmar a sua independência da antiga potência colonizadora

Finalmente, outra situação com que Carlos III terá de lidar é a Commonwealth. Presentemente, ele é rei de 14 nações (além do Reino Unido): Antígua e Barbuda, Austrália, Bahamas, Belize, Canadá, Granada, Jamaica, Nova Zelândia, Papua-Nova Guiné, São Cristóvão e Névis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Ilhas Salomão e Tuvalu. Para as maiores e com mais exposição no cenário internacional, Austrália, Canadá e Nova Zelândia, não faz qualquer diferença que o chefe de Estado seja um rei a viver a milhares de quilómetros de distância, uma vez que são democracias representativas em que o poder está num executivo dependente de maioria parlamentar. O rei inglês é um símbolo histórico, um cordão umbilical com o passado, e nada mais.

Mas nas mais pequenas, algumas das quais com ressentimentos quanto ao passado colonial, retirar o rei do seu pedestal simbólico é uma maneira de afirmar a sua independência da antiga potência colonizadora. Provavelmente Carlos III perderá alguns desses “tronos”, sem qualquer prejuízo para ele e para os ex-colonizados.

A pompa desta coroação talvez seja impressionante, mas não tanto como as circunstâncias em que o Reino Unido vive. Caberá a Charles Philip Arthur George equilibrar os seus interesses com os dos seus governados - senão corre o risco de ser o último Rei da Grã Bretanha.