As redes sociais não trouxeram só coisas boas como a comunicação à distância com familiares e amigos, a disseminação e democratização do conteúdo e informação, ou os vídeos da Maria Leal. Também trouxeram coisas de gosto duvidoso e uma delas são as cartomantes de Facebook. É um fenómeno que descobri há pouco e que desde logo me fascinou. A cartomante de Facebook está com muita procura neste momento devido à pandemia e trabalha muito por vídeo em modo live. Vai baralhando as cartas da tarot e colocando na mesa à medida que os espectadores vão fazendo perguntas no chat em directo. A Rosa quer saber sobre o futuro do filho? A bruxa 2.0 lança as cartas e em segundos diz que o filho da senhora Rosa vai ter um futuro risonho. A Kátia quer saber se vai ser desta que consegue terminar o 9º ano? A cartomante baralha, parte e dá e vê os resultados dos testes e ainda assina uma justificação para ela não chumbar por faltas.

Eu estava a ver um destes lives e perguntei quando passavam as minhas hemorroidas, mas não obtive resposta. Talvez esta taróloga não tenha feito o módulo de exames médicos à distância como fez a Maya. Aliás, se metêssemos a Maya a fazer análises por telefone conseguiríamos acelerar os testes nesta fase crítica da pandemia. Se a Maya desse formação em exames médicos à distância a outras cartomantes, poderíamos estar a testar em grandes quantidades. Não há zaragatoas, mas há cartas de tarot.

Fui procurar e estive a ver outra taróloga a dar a sua “consulta” em directo no Facebook. Várias coisas erradas, desde logo o facto de baralhar as cartas debaixo da mesa. Já houve gente a levar um tiro a jogar à sueca por menos. Ela chegou atrasada ao directo: a senhora que antecipa o futuro nas cartas teve um imprevisto que a fez chegar atrasada, não sei se estão bem a ver a ironia disto tudo. Ela diz o seguinte “A esta hora é complicado ter muita gente no directo porque as pessoas estão a trabalhar, mas partilhem com o colega do lado. Partilhem à vontade que a esta hora os chefes não vêem nada, querem é ir comer”. Se é assim, não é difícil perceber nem ler nas cartas que a Rosinda vai ficar desempregada em breve e com razão. A senhora que dá estes conselhos, depois vai aconselhar a vida profissional das pessoas, faz todo o sentido. Ela está a falar e vai baralhando as cartas e diz “Isto de estar sempre a baralhar as cartas é um vício”. Mau. Então é um vício ou é uma ciência? Pode estar a baralhar mesmo enquanto aguarda pergunta de um paciente? Mas isso não vai alterar o resultado final? É baralhar sem critério? Começo a desconfiar que isto é tudo feito muito à parva. Vai acabar por juntar as cartas e os trunfos ficam todos colados.

A meio da sessão a cartomante lê um comentário e diz o seguinte “Olá minha linda Rossana, há quanto tempo. Diz ao Zé que eu já recebi as chouriças e as batatas, saudades e obrigado”. Isto é capaz de ser a coisas mais portuguesa que já vi na vida. Agradecer enchidos e batatas enquanto se pratica a burla. É engraçado que o Facebook se preocupe tanto com fake news e esquemas de fraude, mas dê trabalho e dinheiro a estas pessoas.

Há sempre muita gente com perguntas sobre trabalho e dinheiro, saúde e, claro, amor. A Rosário perguntou se ia ser feliz com o seu atual companheiro. Não sei quanto a ele, mas se eu fosse o companheiro, era fácil prever o fim da relação pelo facto de ela ter recorrido a uma taróloga, ainda por cima online, para saber sobre a nossa relação.

A bruxa 2.0 também é influencer e a meio dos directos faz giveaways a quem partilhar o vídeo com outras pessoas. As tarólogas sempre foram más influências para as pessoas, mas agora também são más influencers. Os directos de Facebook são incríveis para esta gente porque a pessoa faz a pergunta e a bruxa responde sem direito a contraditório “Estou a ver aqui nas cartas que a senhora tem um irmão mais velho, não é?” e, entretanto, aquilo é tanta gente nos comentários que já ninguém consegue desmentir. Melhor, quando alguém faz uma pergunta, podemos clicar no perfil da pessoa e descobrir logo uma série de coisas e depois fingir que estão nas cartas. “É o que as cartas dizem eu não vou inventar.”, diz ela. Ri muito.

É óbvio que lançar cartas de tarot não funciona para nada. É óbvio. Se vamos acreditar que se pode ver o futuro nas cartas, então temos de acreditar que se pode ver em peças de dominó ou em pauzinhos do Mikado. Esta gente tem tanto poder, são tão especiais ao ponto de terem uma sensibilidade metafísica que as faz manipular e sentir energia de uma forma que os comuns mortais não conseguem, podendo analisar alguém e prever o futuro, mas precisam de um baralho de cartas com bonecos. Acredito mais nas que fazem biópsias nas borras do café.

Não digo que todas as pessoas que praticam o tarot ou outro tipo de coisas do género sejam aldrabonas. Claro que não, há umas que acreditam mesmo no que estão a dizer e por isso não são mentirosas, são só malucas. Sim, porque acreditar que se tem um poder e que se pode ver o futuro em cartas é uma forma de doença mental. Se o Cajó do café da esquina atirar fezes contra a parede e disser que está a ver o futuro e que vê que o Sporting vai ser campeão para o ano, toda a gente sabe que ou está a mentir ou é maluco e tem de internado. Mas a esta gente destas “ciências” ocultas fazemos vista grossa e até damos palco na televisão. Todos suspendemos o pensamento crítico em algumas áreas da nossa vida, faz parte disto de ser humano, cada um acredita no que quer, por isso não me levem a mal de acreditar que é tudo aldrabice.

Para ver: A série Devs

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