O ultimato que Pedro Nuno Santos fez ao governo — "o PS só viabiliza um Orçamento do Estado para 2025 que não inclua, ou tenha como pressuposto, as alterações ao regime de IRS e IRC propostas pelo governo ou qualquer modelação dessas propostas" — não tem pés nem cabeça. Porquê? Deixo aqui as razões.
Nos últimos dez anos saíram de Portugal mais de 200 mil jovens entre os 18 e os 35 anos. Só no ano passado emigraram 21 mil, números (redondos) do INE. Para muitos, como o Observatório da Emigração, estas estatísticas são até conservadoras e os números reais estão bastante acima destes: 850 mil jovens entre 15 e 39 anos deixaram o país até 2021 (o INE aponta para 239 mil na última década, na mesma faixa etária).
Portugal é o segundo país da União Europeia com menor proporção de crianças e jovens na sua população, valor só ultrapassado pela Itália. E dois em cada dez jovens vivem em situação de pobreza. No final de 2023, residiam em Portugal 2.073.971 jovens entre os 18 e os 35 anos, inclusive. Destes, 1.362.600 trabalhavam.
Agora, é olhar para os salários destas almas, muitas a estudar e a trabalhar ao mesmo tempo, algumas (20%) até com mais de um emprego. Três em cada quatro jovens entre os 18 e os 35 anos (75%, note-se), têm salários até mil euros líquidos. Destes, 39% ganham até 800 euros.
Estes valores miseráveis e a habitação a preços exorbitantes tornam incomportável uma vida digna desse nome e impossível a emancipação, algo com que a generalidade dos jovens sonha. Não admira a desesperança.
Só quem vive numa bolha, alienado daquela que é a realidade de um jovem português, pode acreditar que um regime como o IRS Jovem é dispensável, não faz falta e não precisa de ser melhorado e alargado. Não é, obviamente, a solução de todos os problemas, mas representa um alívio significativo para esta fatia tão importante da população, que vive angustiada. Em conjunto com políticas que envolvam habitação, educação e emprego. O IRS Jovem pode não ser a cura, mas representa uma melhoria.
Por isso, sim, sou a favor do IRS Jovem e não entendo a posição de tantos comentadores que defendem que o governo devia deixar cair a medida. Menos ainda quando os comentadores são também políticos profissionais. E o FMI: "Fundo Monetário International critica IRS Jovem"? "IRS Jovem pode levar ao défice já em 2025"? O FMI não tem de ser contra ou a favor. O FMI não foi eleito pelos portugueses para governar o país.
E isto leva-me ao segundo ponto. O Orçamento do Estado reflecte um conjunto de escolhas. Não serão os mil milhões de euros previstos para o IRS Jovem que vão dar cabo do país, levar Portugal à ruína. Aliás, a medida torna-se necessária porque muitas políticas erradas tomadas ao longo de anos nos conduziram aqui.
Um Orçamento do Estado é composto por receitas e despesas. Para este ano, a receita prevista é de 86,07 mil milhões e a despesa de 93,11 mil milhões. O que dá um défice de sete mil milhões de euros. Isto no que toca à Administração Central. Se acrescentarmos o saldo da Segurança Social, que é positivo (cerca de 5 mil milhões), temos um défice de cerca e 2 mil milhões de euros. Para uma visão mais completa, é preciso juntar o saldo das Administrações Regionais e Locais (perto dos 400 milhões de euros) e os ajustamentos do exercício (compromissos assumidos no ano).
Do lado da receita não há muito mais além dos impostos. Para não os subir é preciso cortar na despesa. Os mil milhões previstos pelo governo para o IRS Jovem são uma parte ínfima dos 100 mil milhões da despesa total. Não haverá mais onde cortar?
A primeira contraproposta de Pedro Nuno Santos foi gastar os mil milhões de euros previstos para IRS Jovem na "construção e reabilitação de novas habitações para a classe média" e "residências estudantis" (500 milhões de euros, a repetir durante dez anos), no "aumento extraordinário de pensões" (200 milhões de euros) e na "negociação com os médicos de um regime de exclusividade no SNS" (200 milhões de euros). Ou seja, enterrar dinheiro.
Não vou tecer considerações sobre a habitação e as residências para estudantes — Pedro Nuno Santos foi ministro das Infraestruturas e da Habitação entre 2019 e 2022 e não ficou conhecido por ter resolvido o problema —, nem tão pouco sobre a relação do PS com os médicos — os oito anos seguidos de governos, o último com maioria absoluta, falam por si, mesmo com um bolo gigante chamado PRR (22,216 mil milhões de euros), oferecido por Bruxelas (e quase todo - 77% - por cumprir). Detenho-me no IRS Jovem.
O IRS Jovem foi criado pelo PS em 2020 e em três anos foi adaptado três vezes, por exemplo, para incluir profissionais liberais ou para alargar o prazo de benefício. Em 2023, com relação aos rendimentos de 2022, beneficiaram de IRS Jovem 73.684 jovens (recordo que há 1.362.600 jovens trabalhadores).
A medida custou 31 milhões, mas o Estado arrecadou quase 1.200 milhões com estes contribuintes (trabalhadores dependentes e recibos verdes). O benefício fiscal médio anual para aqueles que aderiram ao mecanismo foi de 425 euros. Apesar de a medida ser boa, claramente, alguma coisa não estava a funcionar.
Aqui, um parêntesis que é também uma crítica ao governo de Luís Montenegro, que ainda não disponibilizou os dados mais recentes (2023), habitualmente publicados em Agosto/Setembro, e que permitiriam uma discussão mais transparente e esclarecida, até porque no último ano foram introduzidas alterações diversas que vieram tornar o regime mais atractivo. Esses números fazem falta agora.
Ainda assim, os números do último ano denunciam falhas. Desde logo, porque 53% dos jovens recebiam até 767€ por mês. Importa lembrar que quem recebe o Salário Mínimo Nacional, 820€, não paga IRS. O que logo à partida exclui uma parcela importante dos jovens. Apesar disso, nos cinco anos de aplicação do benefício, um jovem com um salário de 1.500 euros por mês (apenas 4% recebem entre 1.500€ e 2.000€), passou a beneficiar de uma poupança em sede de IRS de mais de 2.100 euros por ano.
A proposta do PSD, uma taxa máxima de 15% para todos os jovens até 35 anos (com excepção do último escalão), é até mais inclusiva do que a do PS, em vigor até aqui, que abrange jovens entre os 18 e 26 anos, 30 no caso de terem doutoramento, que tenham concluído o ensino secundário, regular ou profissional.
É preciso ser sério e o governo liderado por Luís Montenegro ganhou as últimas eleições legislativas, há apenas sete meses, também com base num programa que teve como bandeira tornar melhor a vida dos jovens. O primeiro-ministro assumiu um compromisso, criou o Ministério da Juventude e Modernização. "É hoje um desígnio nacional, absolutamente prioritário, dar à juventude portuguesa esperança e confiança para poder ter futuro em Portugal. É do interesse geral do país", disse.
Se o IRS Jovem for chumbado — e com ele o Orçamento do Estado para 2025, ou vice-versa —, daqui para a frente os jovens já têm um responsável directo a quem se queixar, chama-se Pedro Nuno Santos e é secretário-geral do PS. Dizer que não está disponível para negociar "qualquer modelação" é fazer chantagem sem sentido, a menos que tenha uma proposta melhor (há muitas em diversos países da União Europeia).
Os rapazes e raparigas hoje com 26 anos — conheço muitos, porque tenho filhos nessa faixa etária, porque sou jornalista e oiço os problemas desta geração, porque trabalho com gente desta idade —, cresceram com os pais a queixarem-se do tempo (e asneiras) de José Sócrates, que deixou as contas públicas na penúria, e foram para a faculdade durante os anos de António Costa, com quem também entraram no mercado de trabalho. Esta geração, no entanto, é também aquela que, pela primeira vez uma muitas décadas, vive pior do que os seus pais.
Nota (acrescentada segunda-feira, 7 de Outubro): Pedro Nuno Santos, que tinha definido o IRS Jovem como a sua linha vermelha e garantido que não havia qualquer hipótese de modelação nesta matéria para o PS viabilizar o OE 2025, acabou por aceitar o IRS Jovem desde que por um prazo de sete anos em vez dos 13 propostos pelo governo.
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