Como quase todo o ser humano do sexo masculino (cis e que se identifica com o género masculino e heterossexual), deixei a compra dos presentes para a última hora. Quão última hora? Bem, é dia 24 de dezembro e acabei de vir de uma ronda em contra-relógio por várias lojas. Sinto-me como se tivesse feito uma missão do Grupo de Operações Especiais. Ainda sinto a adrenalina a correr-me pelas veias.
As compras de Natal são como estudar para um exame da faculdade, dizemos sempre que o vamos fazer com antecedência, mas, invariavelmente, fica para a véspera. Depois, durante o exame, arrependemo-nos e pensamos “tinha estudado mais um ou dois dias e passava a isto com grande nota” e prometemos que no próximo será diferente. Chega o próximo exame, são 21h da noite anterior e a única coisa que fizemos foi “planear o estudo”, o que não é mais do que enganarmo-nos a fingir que estamos a fazer algo útil.
Bem, mas saio de casa com um plano traçado na cabeça que passa por evitar centros comerciais. Sou um comprador natalício kamikaze, mas não sou burro. Vou a uma zona com lojas que dão para a rua e o que vejo? Filas cá fora. Esta gente não aprende e deixa tudo para o último dia. Enfim, são pessoas que não sabem organizar-se. Não é que esteja muita gente, mas as restrições da pandemia fazem as filas parecer infindáveis. Fico feliz por não ser o único que deixou tudo para o fim, mas ficaria mais feliz se não houvesse ninguém e eu, afinal, no meio da procrastinação fosse o mais esperto. Entro numa loja de roupa feminina e compro um casaco para a minha namorada. Deus nosso senhor ajudou ao facilitar-me a escolha, já que, dos que me pareciam que ela fosse gostar, apenas havia um modelo com o número dela. Pego no casaco e vou pagar e a senhora da caixa pergunta “É para oferecer?”. Hum, não. Estou numa loja que só vende roupa de mulher, comprei um casaco e não é para oferecer. Eu sei que vivemos numa sociedade aberta e que poderia dar-se o caso de eu gostar de vestir casacos de mulher e ninguém ter nada a ver com isso, mas era um tamanho XS e eu, mesmo antes dos doces de Natal, se fosse adepto do travestismo era menino/a para XL.
Saio da loja e vou a outra tentar comprar chocolates. Fico à porta da loja à espera que as pessoas lá dentro se despachem. Dez minutos e nada. Duas abéculas lá dentro demoram o tempo todo do mundo como se ainda fosse novembro, a escolher chocolates como se estivessem a escolher um filho para adopção: “branco ou preto? Não sei, o que preferes?”. Faço aquele ritual de suspirar alto e revirar os olhos para as pessoas perceberem que é dia 24 de dezembro: é para despachar que há mais gente desesperada. Vai ficar tudo bem e palmas à janela, mas as pessoas continuam a pensar só no seu umbigo. Passam 15 minutos e desisto. Também quem é que precisa de chocolates no Natal? Mais doces? Andamos a brincar com a saúde? A covid mata mais os gordinhos, por isso o melhor é comprar duas maçãs e embrulhar que é uma prenda mais atenciosa. Chocolates é para quem não queremos que viva muito tempo.
Passo à porta de uma loja de lingerie e noto mais homens que o normal e percebo que deve ser porque se sentem protegidos com o uso da máscara. Vou a outra loja ver se há umas molduras para os meus pais e acabo a comprar uns lençóis. Para eles? Não, para mim. Eu, Guilherme Duarte, 36 anos, nascido e criado na Buraca, decidi, por iniciativa própria e sem planear, comprar lençóis porque parei para os afagar e achei-os fofinhos e quentinhos. Foi a primeira vez que comprei lençóis e não consegui evitar sentir-me velho. De seguida fui a uma garrafeira e gastei o dobro em álcool do que tinham custado os lençóis para balancear a minha vida e o meu karma. Compro mais umas prendas aqui e ali e termino a minha ronda na loja gerida por indivíduos que aparentam ser oriundos da China, mas que podem ser de outro país asiático porque eu não sei distinguir bem. Acho que é assim que agora tem de se dizer “loja dos chineses” para ninguém ficar ofendido. Vou pagar e o que vejo à minha frente? Um senhor a comprar uma árvore de Natal. Dia 24 de manhã e está um sujeito a comprar uma árvore de Natal. Não sei se me ria ou se admire este homem. A coragem do bicho. Não pude evitar pensar que aquela árvore de Natal tem uma história por trás repleta de discussão: ou discussão por ele ter deixado para a última a compra; ou discussão por alguém ter estragado a árvore já montada e ele ter sido obrigado a ir às compras dia 24 para buscar outra.
Por falar em discussões de família, já tenho as compras feiras e agora vou ali fazer filhoses e sonhos que, apesar de não gostar muito, é Natal e tem de ser. Feliz Natal a todos.
Sugestões:
Comam e bebam e não matem os avós com covid.
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