A homossexualidade é mais do que uma opção sexual. É amor e amor é emoção. Não se explica. Sente-se. Não tem de ser anormal só porque, para mim, é fora do que entendo por normal. Tem de ser apenas diferente. A diferença não se comenta, respeita-se. Uma barriga de aluguer é normal? Talvez não seja, mas a opção existe e é legal portanto, o que tem qualquer um de nós a ver com a transacção monetária que possa existir, a ausência de ligação afectiva da mulher que empresta o seu ventre, ou da opção de um homem querer ser pai?
Quando comecei a trabalhar na comunicação social, há muitos anos, a primeira pessoa que entrevistei foi Gentil Martins, facto que poderia constituir um entrave a alguma lucidez sobre esta questão. Não constitui porque a questão não é nem sobre ele, menos ainda sobre Ronaldo.
Os anos que separam estes dois momentos permitem que não só não recorde a sua voz ou palavras, mas que não esqueça a sua delicadeza no trato para que, como eu, dava (literalmente) os primeiros passos.
Pense o que quiser mas não entendo, por isso, a indelicadeza nas palavras, reiterando uma opinião nada consensual sobre temas ainda mais controversos A celeuma não é em torno de um artigo de opinião, mas da expressão da opinião durante uma entrevista, facto que, ainda que não mude as palavras, muda o contexto. Não vou partir em sua defesa ou atacar mas antes, olhar para tudo isto a partir de outro ponto de vista. O do nosso voyeurismo.
A quem interessam os filhos de Ronaldo e a forma como nasceram? A Gentil Martins não será. Mas interessa-nos a nós, o público, essa audiência anónima que vorazmente quer saber tudo sobre tudo e, principalmente quer saber o que pensam uns sobre os outros, como quem deita achas na fogueira para ver o circo pegar fogo. A quem interessa a opinião de Maya sobre o corpo de mãe de Carolina Deslandes? E os dedos apontados constantemente a Carolina Patrocínio, pelo seu corpo ou das suas filhas?
A mim não é, seguramente, mas há quem se interesse e é por isso que, não-questões como as afirmações de Gentil Martins sobre a homossexualidade ou a paternidade Ronaldo, incendeiam essa praça pública virtual em que se transformou o Facebook, alimentando as pequenas notícias de órgãos de comunicação social que sempre conhecemos por sérios. Não pode ser “a sério” aquilo que está a acontecer, com a contaminação do real pelo virtual, ou dos comentários anónimos, ainda que identificados por uma minúscula fotografia e um nome, que pode ser tudo menos verdadeiro.
Gosto, acredito e incentivo a participação cívica por via dos órgãos de comunicação social, como sempre aconteceu. Ainda que fosse uma participação mediada e totalmente controlada pela comunicação social, enquadrava-se em parâmetros que garantiam algum civismo na forma e conteúdos dessa mesma participação.
Abrimos uma caixa de Pandora quando transferimos parte da nossa vida para a internet e nos expusemos nos sites de redes sociais. Vivemos numa espécie de gaiola dourada feita de vidro que reflecte cada movimento, dando-nos a ilusão de tudo controlarmos quando somos, na verdade, completamente vigiados e controlados por entidades cuja verdadeira missão desconhecemos e que, na maior parte dos casos, têm objectivos puramente comerciais. Ou seja: ganham dinheiro usando a informação que lhes damos, usando-nos para fazermos circular informação que lhes interessa para, novamente, ganharem dinheiro.
Voltando ao que me leva a escrever hoje? Não nos deveria interessar a opinião do outro sobre um outro cujas opções de vida também não nos deveriam interessar, mas interessam. Porquê? Porque se um é uma figura em quem queremos confiar e cuja reputação científica e intelectual nos faz pensar que devemos respeitar, o outro é o arquétipo do herói que todos ambicionamos ser, com um estilo de vida que desejamos ter. São principalmente estes os factores que transformam as afirmações de Gentil Martins em algo tão relevante que passa da comunicação social para os sites de redes sociais e destes, para a comunicação social, provocando a discussão e partilha de ideias, pensamentos e opiniões em torno do que disse e, especialmente, sobre o tema a que se referiu, essas opções de vida tão pouco consensuais como são a homossexualidade ou uma barriga de aluguer. Caso para dizer... get a life [arranjem uma vida]!
Paula Cordeiro é Professora Universitária de rádio e meios digitais, e autora do Urbanista, um magazine digital dedicado a dois temas: preconceito social e amor-próprio. É também o primeiro embaixador em língua Portuguesa do Body Image Movement, um movimento de valorização da mulher e da relação com o seu corpo.
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