No caso do castelhano, existem muitos destes termos, com significado muito diferente do que parece à primeira vista — ou, o que é pior, com significado parecido, mas com alguma subtileza que faz toda a diferença.
Em castelhano, por exemplo, uma «ilusión» é um sonho ou uma sensação de esperança. Um futebolista português a jogar em Espanha que regresse ao nosso país a dizer que está cheio de ilusão não está a dizer que vê fantasmas: está apenas um pouco infectado pelo castelhano e a querer mostrar um grande entusiasmo com o que vem aí. Por outro lado, e para complicar um pouco, há contextos em que «ilusión» quer mesmo dizer «ilusão», como em «ilusiones ópticas».
Há muitas outras destas armadilhas: «inversión» pode ser «investimento»; «presupuesto» é, em textos económicos, «orçamento»... Já algo «raro», em castelhano, é algo estranho ou peculiar. Poderá ser raro (à portuguesa) ou não. Também poderá querer dizer «excepcional» (como na expressão «de rara perfección»). Por outro lado, a palavra «raramente» quer dizer o mesmo que em português. Ninguém disse que as línguas são lógicas…
Mas o mais traiçoeiro dos falsos amigos espanhóis é a palavra «apenas». «Apenas» quer dizer muitas coisas, muito delas diferentes do «apenas» português — e às vezes até quer dizer exactamente a mesma coisa que o «apenas» português. Grande parte das vezes, significa algo parecido com «dificilmente» ou «quase não». A expressão «un libro que apenas se conoce en España» não se refere a um livro que só se conhece em Espanha, mas sim a um livro que mal se conhece em Espanha.
Há outro tipo de falsos amigos mais complicado. Por exemplo: se, num texto jornalístico espanhol, encontrarmos a expressão «Cámara de Barcelona», tenderemos a traduzi-la como «Câmara de Barcelona». E, de facto, estamos perante a Câmara de Barcelona... O problema é que não é a câmara em que os leitores portugueses pensarão. Se estivéssemos a falar da Câmara Municipal, teríamos, no original, «Ajuntament de Barcelona» (em catalão) ou «Ayuntamiento de Barcelona» (em castelhano). Se no original está «Cámara de Barcelona», na tradução, temos de explicitar que estamos perante a Câmara de Comércio de Barcelona.
E o que dizer de «Presidente de España», a forma abreviada como muitos jornais espanhóis se referem ao «Presidente del Gobierno»? Não podemos traduzir como «Presidente de Espanha», claro — ainda assustamos algum leitor desprevenido, que ficará convencido que houve uma revolução aqui ao lado…
Mas de todos os falsos amigos, o mais perigoso é sem dúvida o «exquisito», bem capaz de criar novos inimigos. Se alguma vez convidar um espanhol para jantar lá em casa e, no fim do jantar, ouvir dizer que a sua comida — ou a comida portuguesa em geral — é «exquisita», não se enerve. A palavra «exquisito» quer dizer, segundo o dicionário da Real Academia Española, «de singular y extraordinaria calidad, primor o gusto en su especie.» Está a receber um raro elogio!
Marco Neves | Professor e tradutor. Escreve sobre línguas e outras viagens na página Certas Palavras. O seu livro mais recente é História do Português desde o Big Bang.
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