Não há quem não queira 2017 já aí, como se a passagem de um ano para o outro trouxesse mudanças substanciais no correr dos factos. É bom - e faz bem à saúde, de certeza… - acreditar que aquele pequeno salto que damos, à meia-noite de 31 de Dezembro, da cadeira da sala para o chão, pode ser um grande salto, senão para a humanidade, que tem a Lua distante, para as nossas expectativas, que andam tão baixinhas. Não me parece que falhe muito se vos der a má notícia: não muda grande coisa… (Gozo com o tema, mas também salto da cadeira, como as 12 passas e saúdo o novo ano. Secretamente, porém, rio com os factos…)
Na verdade, de entre as incontáveis imperfeições que nos rodeiam, uma das mais risíveis, e que nos põe logo de pé atrás em relação à ideia de tempo e idade, é o calendário que, em teoria, nos rege. Digo em teoria porque, embora o tenhamos adoptado há mais de 500 anos (houve países que só no Século XX se renderam…), ele varia para outros quadros em uso - dos hindus aos chineses, dos iranianos aos budistas - e está recheado de pormenores inventados pela comissão de sábios que o Papa Gregorio XIII nomeou para o produzir. O calendário é uma espécie de rascunho de Excel que só usamos porque, generalizado, acabou por aproximar os povos. E nessa sua premissa, o Papa tinha razão.
O número de acertos, emendas, excepções e delírios que o calendário Gregoriano tem levam-me a pensar que, se fosse tomado à letra sem essas pequenas “rasuras”, no sábado não acabaria 2016 - ou já teria acabado há muito. Por causa deste nosso “mapa” do ano, desapareceram dias na História (5 a 14 de Outubro de 1582, dizem os entendidos), os anos têm de ser divisíveis por 400, foi forçadamente corrigida a medição do ano solar, e até para a Igreja deu-se como adquirida a confusão: a Páscoa nunca mais teve dia certo, ainda que tenha uma regra aplicável…
Usando a ideia batida do copo meio-cheio e do copo meio-vazio, esta imperfeição em que vivemos pode dar algum jeito. Todos queremos que 2016 vá embora, porque foi um ano de muita dor, de muita tristeza, de muita desilusão - mas, por outro lado, talvez já tenha ido, ou talvez não seja inteiramente culpado. Talvez esta nossa contagem de tempo valha tão pouco que não haja balanços para fazer nem perdas e ganhos a considerar.
No sábado, fingiremos que entramos num tempo novo - e se a vontade for muita e de muita gente, vai certamente ajudar a dar um novo impulso ao que temos pela frente. As efémeras alegrias de um Europeu ou de um português na ONU não medem forças com os que partiram e nos farão falta, nem com as tragédias humanitárias que não cessam nem por nada - cada facto vale por si, e para cada um de nós tem o seu valor. Este calendário mal-amanhado com que o Mundo se rege tem essa qualidade certamente não calculada: o valor do tempo em que se integra já inclui o caos, o desnorte, a imprevisibilidade - mas também a liberdade de pensarmos que não há coincidências ou tudo não passa da soma de muitas coincidências.
Num caso como noutro, alivia-me pensar que o calendário não manda em tudo. Porque é tão imperfeito quanto nós. E ainda mais aleatório.
Pronto. Vou entrar em 2017 hoje ao fim do dia. Está decidido.
Três sugestões com música dentro
O “New Musical Express” foi (juntamente com o mais pop “Melody Maker”) o jornal obrigatório de quem consumia musica pop e rock nos anos 60, 70 e 80. A crise da imprensa - e das vendas dos discos em formato fisico - acabou por fazer cair os dois títulos, que perderam ainda mais com a chegada das revistas comerciais. Ainda assim, nos momentos cruciais, o NME volta a marcar pontos, provando que, não sendo um posto, o passado é uma arma poderosa. Veja-se a cobertura da morte de George Michael.
… E mesmo que outros títulos, como a bem sucedida “Uncut”, tenham renovado a imprensa musical e adaptado o papel impresso ao mundo digital, há todo um espólio que vale a pena aproveitar. Excelente exemplo: as melhores entrevistas do NME, aqui disponíveis no formato “bookzine”, forma airosa de misturar livro e revista “apimentando” o preço. Para os nostálgicos, dinheiro bem gasto…
Portugal não se pode queixar: desde que, na década de 80, o jornalista Manuel Falcão fundou o jornal “Blitz”. Temos o nosso próprio media impresso dedicado à música. Já teve diversas versões, mas resistiu a estes 30 anos de convulsões e mudanças. Hoje é uma revista - e um site actualizado e muito dinâmico -, e não deve muito aos seus concorrentes internacionais. Música para ouvir e conhecer não falta ali.
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