O senhor andou uns metros na areia da praia, parecia uma pena ao vento, magrinho, ligeiramente tombado para a frente, a ver o mar, tanto mar, e a pensar em nada. De repente, um grito e a praia mobiliza-se como se existisse um sensor interno para todos os corpos, um sensor que indica a dimensão do grito, a sua intensidade, o seu propósito. E os olhos todos fixos no corpo que aparece e desaparece nas ondas. O mesmo homem, tão ligeiro, tão pequeno, transforma-se num qualquer gigante de ficção científica e, em segundos, está dentro de água a nadar contra a maré, contra tudo e todos, um herói antecipado, melhor que todos nós, no areal, agora de cabeça erguida, a tentar perceber o que se passa. E o outro corpo que aparece e desaparece, será um rapaz, uma rapariga, não se entende, mas a bandeira está vermelha como é que foi para tão longe?

Neste mar não se pode confiar. E os nadadores salvadores? E estes, pontos amarelos e vermelhos, já mar adentro, no encalço do primeiro homem, e a/o náufrago, será o melhor termo?, na sua aflição. Os corpos na praia de pé, as mães a resguardarem os filhos de tal visão e o vendedor de bolas parado, incapaz de comércio ou pregão. O toc toc das bolas de raquetes deixaram de se ouvir. Não há jogadas de mestre no jogo que decorre no areal. Nenhum bebé a chorar ou cão a ganir. A praia suspensa nisto.

E, afinal, é um rapaz, já se percebe que é um rapaz, o senhor trá-lo como se fosse um lenço, preso pelo pescoço, uma atitude profissional. Os nadadores chegam, a bóia, a passagem de testemunho e tudo a respirar de alívio, todos os anos é isto, como é que as pessoas não pensam? E está bandeira vermelha, para mais vermelha, não é? Tu, não te atrevas, estás a ouvir, não vais à água sem mim, nem pensar. As crianças em hiper vigilância. E tudo termina, foram minutos, o rapaz já está na areia, ouve-se a carrinha dos socorros a caminho, à beira mar, a sirene a perturbar o silêncio. Mas é evidente que o perigo já passou.

O senhor sai da água a tempo de ver que o jovem já está em pé, não precisa de ninguém para se suster. Não há uma troca de palavras. O senhor fica ali, ainda pequeno, ainda herói e depois um vizinho de sombrinha remata: vá-se lá compreender os jovens, vá-se lá compreender o verão.