Ir à escola ao domingo

Lembro-me de ser criança e ir com os meus pais, ao domingo, à escola. As salas estavam todas desarrumadas e as professoras e as empregadas não estavam lá — ou melhor, até estavam, mas numa bicha, como toda a gente, pronta a fazer qualquer coisa de muito sério e que eu não compreendia bem. Hoje, sou eu que levo o meu filho mais velho, que espreita para ver o que estou a fazer com uma caneta presa por um cordel e um pedaço de papel cheio de quadrados e estranhos símbolos.

O ritual das eleições tem muito de nostalgia — o que poderá parecer estranho a quem, como os meus pais, viveu os anos em que tudo era novidade.

Hoje, de facto, as eleições parecem-nos uma coisa banal. Um papel, uma cruz à frente do partido. Os cadernos eleitorais, as urnas, os boletins, os editais afixados cá fora, os membros das mesas a repetir nomes de concidadãos como se fizessem aquilo todos os dias.

Parece-nos que as eleições não podem ser doutra maneira — e, no entanto, por esse mundo fora, as diferenças são deliciosas.

Envelopes espanhóis

Passamos a fronteira e, em Espanha, não se põe uma cruz: nas assembleias de voto, há mesas com as várias listas partidárias em boletins diferentes. O eleitor pega em vários boletins, vai para a cabine de voto, deita fora os papéis dos partidos rejeitados e enfia no envelope a lista do partido do seu coração (ou o que lhe dá mais jeito na ocasião).

Parece ser um desperdício de papel, mas cada povo sabe de si. Ah: o boletim do nosso partido até já pode vir no bolso! Por cá, imagine-se o horror que seria um eleitor chegar com o boletim de voto já preenchido de casa…

Outro pormenor curioso das eleições em Espanha: a urna onde se põem os envelopes é transparente. Por cá, a urna é escura e tal parece feito para garantir o anonimato do voto. Todos estranharíamos se chegássemos à mesa de voto e tivéssemos à frente um aquário de votos, como acontece no reino vizinho. Parece que, por lá, a transparência da urna é vista como algo essencial ao processo: acima de tudo, transparência!

Em França, os eleitores assinam os cadernos eleitorais — quanto aos boletins, tal como em Espanha, também se põem dentro de um envelope. As cruzes são muito nossas.

Listas? Quem falou em listas?

No Reino Unido, as eleições são num dia de semana — e os deputados são eleitos cada um por si, em círculos uninominais. Nada de listas! Cada partido escolhe um candidato por círculo e o eleitor vota na pessoa que deseja ver a representá-lo no parlamento. Cada pessoa sabe que deputado está a representá-la, mesmo que seja de um partido em que não votou. O sistema parece-nos estranho a nós (afinal, é possível conseguir maiorias absolutas com uns 30% ou menos dos votos), mas é naturalíssimo para um britânico.

O mais curioso do dia das eleições no Reino Unido é ver os candidatos por cada círculo em cima do palco, depois da contagem, cada um com a cor do partido ao peito, para ouvir o anúncio do vencedor. Depois de anunciar os resultados, o apresentador de tal espectáculo levanta a mão do novo deputado, como no final de um combate de boxe. Os outros candidatos batem palmas, cumprimentam o felizardo e vão para casa dormir.

Mudando de hemisfério, mas não de língua: na Austrália, cada pessoa ordena os candidatos por ordem de preferência. Assim, se o candidato preferido for eliminado por ter poucos votos, o segundo candidato de cada eleitor fica com o voto. Se este também for eliminado, o terceiro candidato fica com o voto — e assim sucessivamente. É difícil de entender? Para os australianos, o nosso método de transformar votos em deputados também não prima pela clareza…

Para lá da Europa

Nos EUA, o sistema eleitoral é, na verdade, um conjunto de sistemas eleitorais muito diversos. Desde boletins parecidos com os nossos a sistemas electrónicos e outros com alavancas (!), as eleições são uma animação. Há muitas particularidades naquele sistema, mas a mais deliciosa é a possibilidade de escrevermos no boletim um nome que não seja o dos candidatos oficiais. Se eu quiser votar na minha mãe, é só escrever-lhe o nome! E conta! É assim que, nos resultados oficiais das eleições norte-americanas, lá vão aparecendo, aqui e ali, uns quantos Ratos Mickey…

Já na Índia, o eleitorado é tão grande que as eleições demoram um mês. Se, como cá, não for possível fazer campanha durante as eleições, é um mês inteiro sem notícias partidárias!

Como em tudo, achamos natural o que fazemos e estranhamos o que acontece nos outros países. Faz parte… O certo é que nestes países todos — uma pequena amostra das maneiras de votar do mundo — há eleições. As pessoas votam — e isso, por mais que alguns duvidem, é bom.

Enfim, hoje lá estarei, com o meu filho ao lado, na bicha para receber o papelinho cheio de quadrados.

Boas eleições!


Marco Neves | Escreve sobre línguas e outras viagens no blogue Certas Palavras. Contou histórias de Portugal em A Baleia que Engoliu Um Espanhol.