Terá, talvez, spoilers sobre a nova série do BCE - a série de aumentos das taxas de juro diretoras na qual se colocam cordas ao pescoço de pessoas que existem. Já estive a espreitar as aventuras e desventuras da nova Khaleesi e, ao que me parece, esta terá acesso mais facilitado ao poder do que a antiga Khaleesi. Faz sentido: a série passa-se 200 anos antes do tempo narrativo de Game of Thrones, pelo que, tal como as novas gerações de jovens adultos dos dias de hoje, a antiga Khaleesi sofria de pobreza geracional, ao ponto de andar sempre a mudar de casa com os seus filhos dragões por não ter dinheiro para dar entrada para um T2+covil. Por isso é que ficou maluca, claro.
House of the Dragon é uma prequela de Game of Thrones. Os primeiros episódios têm sido muito bem recebidos, até porque a outra acabou muito mal. Um bocado como pode acabar a subida das taxas de juro que visa combater a inflação. Na última temporada de Game of Thrones, a Khaleesi antiga pegou fogo a King’s Landing, tendo inúmeras pessoas ficado sem casa. Na última reunião de política monetária, o BCE pegou fogo às taxas de juro e o resultado pode muito bem vir a ser o mesmo.
Nesse sentido, a prequela da qual todos vamos ter saudades não é a House of the Dragon, mas a House of The Draghi. É com alguma melancolia que recordamos a estratégia de taxas de juro baixas do antigo presidente do BCE. Tal como no universo de George RR Martin, a política monetária tem personagens extravagantes e conceitos que nunca cheguei a compreender. Nunca percebi muito bem o que eram white walkers, nunca percebi muito bem o que era o quantitative easing. No entanto, o truque de magia da Euribor se manter sempre baixa era efectivamente a única hipótese de muita gente não estar financeiramente sufocada pela necessidade de habitação. Esta prequela é apenas de 2014, mas, aos dias de hoje, a altura em que os juros estavam em terreno negativo parece já ter sido há mais de 200 anos.
Agora, estamos outra vez encurralados. Winter is coming, o gás está caro e até em Winterfell as rendas devem estar pela hora da morte. O enredo deste tipo de séries é desconcertante e ofensivo para a maioria dos espectadores: somos obrigados a acompanhar a histórias de gente jovem que herdará extensas propriedades latifundiárias, quando nós suplicamos por duas assoalhadas. Para a minha geração, começa a não ser descabido casar com um primo - se tal fizer sentido em termos patrimoniais. Tenho a certeza de que, em temos de inflação, surgirão especialistas em finanças pessoais a exortar os jovens a deixarem de pagar as subscrições de streaming. Sinceramente, acho que não vale a pena: um mundo onde há dragões é verosímil, um mundo onde há condições para comprar casa é que é mais para o fantasioso.
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