Este texto faz parte da rubrica Regresso a um Mundo Novo, em parceria com a plataforma 100 Oportunidades, em que vários jovens nos ajudam a pensar o mundo pós-pandemia.


Devo confessar que não sou a pessoa mais patriótica em Portugal. Contudo, devo também confessar que fui dos muitos Portugueses que foram até ao Marquês a 10 de Julho de 2016, apesar de não ser o maior fã de futebol.

No mesmo sentido, ultimamente tenho sentido um orgulho imenso na resposta que temos tido à pandemia de COVID-19, nomeadamente pela Ciência Portuguesa. De forma espontânea e com o apoio de voluntários, o Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (IMM) lançou-se à descoberta de alternativas aos testes comerciais de forma a maximizar a nossa capacidade de testar, tendo iniciado uma resposta nacional de solidariedade que abrange diversos institutos de investigação e que já inclui testes serológicos (para detetar anticorpos contra o SARS-CoV-2) e bancos de amostras de pessoas infetadas.

Como estudante de Doutoramento no mesmo instituto pioneiro, estou ciente da enorme dedicação dos meus colegas que, com todas as suas responsabilidades, abdicaram do seu tempo e segurança sem contrapartidas para ajudar a iniciativa nacional. Infelizmente, porém, a relação de Portugal para com a Ciência não tem sido recíproca.

Muito além da luta já conhecida contra a precariedade das bolsas de investigação, o que tem motivado diversas iniciativas, continuamos com uma enorme incerteza na Ciência que deve ser enfrentada nestes próximos tempos. É certo que teremos uma crise económica mundial sem precedentes, o que deverá implicar uma reestruturação para uma economia mais sustentável, mas não devemos ignorar a necessidade de sustentabilidade também em Ciência e Investigação, que têm sido essenciais nesta luta de Saúde Pública.

Portugal tem uma enorme qualidade científica, tendo uma taxa de sucesso superior à média da União Europeia (UE) e sendo um beneficiário líquido da muito competitiva Horizonte 2020. Apesar disso, investe uma percentagem do PIB em Investigação e Desenvolvimento (I&D) abaixo da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e da UE: 1,36% do PIB face aos 2,40% da OCDE e 2,19% para a UE-27 enquanto instituição ou 1,62% em média dos seus estados membros (dados de 2018). Além disso, os concursos para todos os domínios de conhecimento pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) têm sido anunciados de 3 em 3 anos apenas (2020, 2017 e 2014), contrastando com concursos regulares anuais em diversos países da UE.

Tomando como exemplo a futura necessidade de inovação terapêutica, como o desenvolvimento de vacinas ou de medicamentos promissores, temos de ter em conta os ensaios clínicos randomizados (randomised controlled trials - RCTs), estudos clínicos com o maior rigor científico e que permitem o avanço da Medicina. Considerando o número total de registos na EU Clinical Trials Register, vemos que Portugal está na 18.ª posição em 30 países (fig. A), mantendo a mesma posição se eliminarmos estudos não aprovados, cancelados ou suspensos (fig. B) e ficando em 19.º lugar se controlarmos para a população de cada país (fig. C).

Usando Portugal como ponto de referência (linha vermelha em fig. D - fig. I), os países com maior número absoluto de registos efetivos não têm um PIB per capita médio superior (fig. D - $41 758 vs. $46 926) nem mais doutorados em média (fig. F - 0,95% vs. 1,43%) dos que têm menos registos do que nós. O mesmo se verifica com o número de registos efetivos per capita (fig. G - $42 280 vs. $46 541 e fig. I - 1,09% vs. 1,16%). O que parece diferir é a percentagem média do PIB alocada a I&D: 2,02% para os que têm maior número absoluto (fig. E) e 1,82% para os que tem maior número per capita (fig. H), face a 1,17% e 1,41%, respetivamente. Claro que esta é uma comparação muito simplificada, mas pergunto: será que transparece posturas díspares face à importância da I&D numa sociedade?

A Ciência assumiu um compromisso de servir Portugal nesta fase tão crítica, estando preparada para continuar a fazê-lo noutros desafios para lá da pandemia. Com olhos postos no futuro, é tempo de Portugal assumir também o compromisso de dar maior valor à Ciência e à Investigação nacionais, com maior investimento e regularidade do mesmo e no relançamento junto da opinião pública da importância de termos cientistas motivados e devidamente apoiados pelo setor público e privado.

*Filipe Cortes Figueiredo escreve segundo o novo acordo ortográfico