Quem entrar na maioria das redes sociais brasileiras, em grande medida ocupadas pelas hostes de Jair Bolsonaro, verá sem dificuldades que o presidente Emmanuel Macron virou o alvo das imprecações mais furibundas depois de apontar os incêndios florestais na Amazónia — e se incluir na relação dos atingidos, visto que a França tem território extra-marinho na Guiana. Desde então, inseridas na dinâmica que é a sua, ou seja, a de satanizar um inimigo externo, as milícias digitais do ex-capitão têm destinado ao chefe de estado francês toda sorte de insultos.
Como vem acontecendo na maioria dos enredos de Brasília, a narrativa é permeada de tragédia e, se quisermos, de comédia. Primeiro, vamos à dimensão sórdida dos factos. Revelando uma subcultura que bebe do pior do machismo mais tosco, a militância acusa Macron de ser homossexual, de ter um caso com um guarda-costas e de ter desposado Brigitte Macron para dar o "golpe do baú", forma consagrada entre nós para rotular os arrivistas que casam com mulheres ricas para subir na vida às suas expensas. Segundo essas vozes, seria esta a única justificativa para que escolhesse uma "velhota."
Vamos agora ao lado cómico, que beira o patético. Querem os bolsonaristas fazer crer ao mundo, e sobretudo à sua inflamada claque doméstica, que Macron é um embuste eleitoral e que é um farsante intelectual. Os que se julgam mais informados, apontam a discrepância aberrante que há no facto de ter sido ministro de um governo socialista e de ter trabalhado num agressivo banco de investimento, onde fez fortuna. Ao invés de verem os inegáveis predicados intelectuais do presidente numa evidência de versatilidade, querem apontar a venalidade de quem teria duas caras.
Não vão nada bem as relações entre ambos os países, e é possível que nunca tenhamos tido um clima tão tenso desde a famosa Guerra da Lagosta, nos anos 1960, quando pesqueiros franceses violaram o limite das 200 milhas náuticas das águas brasileiras. Tudo pode ter começado com o cancelamento mal-humorado de uma visita de cortesia que faria a Bolsonaro o ministro Jean-Yves Le Drian, abruptamente cancelada por "falta de agenda", quando à mesma hora Bolsonaro foi visto e filmado no salão do barbeiro. Já era uma retaliação a quem visitara ONGs envolvidas com o tema florestal.
Por fim, convém salientar que há uma imensa ignorância sobre a vida da floresta amazónica, sendo ela um organismo que obedece a uma dinâmica própria. Brasileiros cultos tartamudearão por cinco minutos sobre o pouco que sabem a respeito - o ciclo da borracha, a zona franca de Manaus e os peixes de rio que se comem à brasa -, e pouco mais do que isso. É claro que nessas horas o nacionalismo toma tons elevados, e é o combustível de que precisa um presidente opaco, quando não desastroso, para aglutinar suas falanges. Quanto ao oportunismo de Macron, se houve, os franceses julgarão.
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