Há uns tempos, numa rede social perto de si, encontrei alguém exasperado porque descobriu um defeito no português. A pessoa percebeu que, em português europeu, podemos dizer «mais pequeno» mas não podemos dizer «mais grande».

Começaram logo almas alarmadas a tremer de medo. Isto não é lógico! Isto não pode ser! Não faltaria muito para ter ali alguém a querer proibir a expressão «mais pequeno»! Há quem ande sempre a farejar problemas na língua…

Felizmente, também houve quem tivesse a paciência para tentar explicar que a lógica da língua é mais profunda do que pensamos. O paciente explicador foi, já agora, o Fernando Gomes, que encontro muitas vezes nestas discussões da língua. Explicou ele: nós usamos «mais pequeno» com aquilo que é palpável. Dizemos «a mesa é mais pequena», mas dizemos «a distância é menor» (a distância mede-se, mas não se toca). Boa explicação — embora me pareça que a situação ainda é mais complicada. Não houve remédio. O pânico continuou: então se é assim com «pequeno», tem de ser assim com «grande»! E não é! Que horror! O deus da língua distraiu-se!

Ai, calma! Pois, os portugueses usam o adjectivo «pequeno» de maneira diferente do adjectivo «grande». E pronto, é isto. Tenham um bom dia.

Bem, deixem-me lá dizer mais umas coisas. A regra acima descrita não foi pensada por ninguém, é a que está na cabeça dos falantes do português, criada ao longo dos séculos pela deriva inconsciente e incontrolável da língua. As regras da língua são muitas vezes imprevisíveis — e muito complexas. São, elas próprias, a lógica da língua. Não convém andar à procura de outras lógicas para justificar por que razão «pequeno» segue um padrão diferente de «grande» — tal como também não vale a pena procurar a razão por que «ser» é diferente de «estar» em português ou por que razão usamos o infinitivo conjugado e outras línguas não. As línguas são assim: imprevisíveis e bem mais complexas do que imaginamos.

A língua não é criada a régua e esquadro antes de ser usada. Tem tantas e tantas destas inconsistências, destas aparentes falta de lógica… E não há língua humana que não as tenha. Mais um exemplo: o verbo «ser» é irregular. É isso ilógico? Bem, se fosse eu a desenhar o português, arrumava os verbos todos e usava uma só conjugação. Se querem uma língua pensada de raiz, ela existe: chama-se esperanto. Há outras, aliás. As chamadas línguas naturais não são assim — nenhuma delas é.

Felizmente, o português não foi inventado nem por mim nem pelo Manuel Germano (aquele que se confunde com o género humano). A nossa língua — como todas as línguas — é uma colecção de hábitos antigos e muito desarrumados. Se querem mesmo ajardiná-la, têm muito que fazer — e no fim conseguiram apenas perder tempo. Mais vale gastar esse tempo a aprender a língua como ela existe agora, na sua complexidade gritante, mas natural, e ainda nas suas tremendas variações, ao acomodar-se a cada região, a cada geração, a cada falante. E não é que até nos entendemos bastante bem?

Não tenham medo do português, que ele raramente morde.

Marco Neves | Professor e tradutor. Escreve sobre línguas e outras viagens na página Certas Palavras. O seu livro mais recente é História do Português desde o Big Bang.

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