Dedicado a todos os psicólogos, a quem precisa deles, mas sobretudo, a quem se esqueceu deles.

Há um ano Joaquin Phoenix ganhou um Oscar na sequência da sua interpretação de Arthur Fleck, em Joker. A personagem em questão via-se enquadrada num cenário de caos social, pobreza e sem apoio psicológico, uma vez que este lhe foi retirado por falta de financiamento estatal.

Ao longo do filme, somos convidados a ver e sentir a degradação mental de Arthur, que segue um caminho cada vez mais sombrio, até abraçar metaforicamente o seu alter ego, Joker.

Também há um ano, enquanto Phoenix e o Joker eram ovacionados pela ousadia da obra, que transmitiu uma mensagem de profunda reflexão sobre a saúde mental, o mundo viu-se também confrontado com a maior crise de saúde pública dos últimos cem anos. As medidas que foram tomadas de urgência para combater a (na altura) desconhecida covid-19 tiveram impacto a nível económico, mas também a nível da saúde física e mental.

A pandemia veio destapar, de forma clara, as fragilidades do sistema português nas mais diversas áreas.

Um ano depois, a já não tão desconhecida doença dizimou milhões de vidas, no sentido literal mas também metafórico, deixando-nos pior do que há um ano. Este cenário levou a um aumento do consumo de medicação psiquiátrica, pois quem já tinha patologias do foro psicológico sofreu, em muitos casos, um agravamento da sua condição; quem não tinha experienciou em muitos casos ansiedade e depressão; no entanto, a solução medicamentosa não deve ser perpetuada, uma vez que cura os sintomas, mas não a doença. Quem ajuda a tratar a doença são, em grande medida, os psicólogos. O problema é que existem cerca de 24 mil psicólogos no país, e apenas 250 exercem no Sistema Nacional de Saúde (SNS), a nível de cuidados primários.

Em dados disponibilizados pela Ordem dos Psicólogos Portugueses, temos menos de três psicólogos por cada 100 mil habitantes (!). Simultaneamente, as ciências sociais e do comportamento continuam a ser das áreas, entre aquelas que implicam formação superior, com maior números de desempregados.

A população precisa dos psicólogos; os psicólogos, por sua vez, precisam de emprego. O que está a falhar para que se estabeleça esta ponte?

Em Portugal, existe somente um prestador de serviços de saúde “universal”: o público. Ficando desta forma excluído dos serviços privados quem não tem condições financeiras de os pagar. Uma vez que o SNS não tem (em abono da verdade) profissionais de psicologia, quem não pode recorrer a privados não tem psicólogos.

Em 2018, foi aberto um concurso com uma “generosa”oferta de 40 vagas para estes profissionais. Até à data de hoje ainda se encontram em “fase de entrevistas”. Nas palavras de Marta Temido: "As regras para estes procedimentos concursais são o que são”. É o que é. Cá nos remediamos.

O Governo continua a emitir o sinal claro de que a saúde mental não importa, mas senhores, uma depressão não são só uns dias maus, a ansiedade não é apenas uma expectativa ligeiramente fora do controle. Estas são, tal como tantas outras, patologias incapacitantes. Retiram qualidade de vida a quem com elas lida e, por último, retiram também capacidade de produção, sendo portanto a doença mental também um fator decisivo para a economia.

Os psicólogos, que têm o nobre trabalho de reerguer quem precisa de ajuda, em Portugal não têm uma carreira, não têm condições, não têm quase nada. E da saúde mental deles, quem cuida?

Por estes dias, estes profissionais sentem-se a mais e com a perceção de que talvez existam demasiados psicólogos. Não. Vocês não são demasiados, demasiados são os governantes que falam sobre saúde mental e por ela nada fazem.

Pela mente se ganha, pela mente de perde.

“A pior parte de ter uma doença mental é os outros esperarem que te comportes como se não a tivesses.”

Aplaudimos o Joker de pé.

Será que todos entenderam a sua mensagem?

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