O certificado de vacinação é um requisito, não é uma obrigação. Ter este comprovativo de vacinação é um dever social. Representa a defesa da Saúde Pública e a possibilidade de, com razoável confiança, voltarmos a restaurantes, bares, cinemas, teatros e outros espetáculos culturais e desportivos. Mas levanta-se a voz dos que protestam contra o que chamam de “ditadura sanitária”.
Os que no sábado se manifestaram em Portugal sabem fazer ruído, mas são poucos. Protestam contra as restrições impostas pela pandemia que classificam como ditadura do Estado.
Em outros países, a adesão a estes protestos é mais expressiva: em França, no sábado, foram uns 160 mil a desfilar. Tinham sido 50 mil uma semana antes. Opõem-se à vacina, ao certificado de vacinação e, ao mesmo tempo, manifestam-se contra Macron e as políticas do governo francês. Perante o crescendo de manifestantes de uma semana para a outra, já há quem receie que esteja a instalar-se uma nova vaga de contestação na rua, como a dos coletes amarelos nos meses antes da pandemia.
Os sindicatos franceses mal escondem o ciúme por não terem a capacidade de mobilização conseguida por estes movimentos inorgânicos ativados nas redes sociais.
Em Itália, foram uns 80 mil a desfilar em várias cidades neste último sábado. Neste caso italiano viu-se que partidos de extrema-direita como o Forza Nuova encabeçaram as marchas com slogans como “No vax, no mask” e “Libertà, libertà”. Armando Siri, deputado pela Liga, de Salvini, chegou a gritar “Somos nós quem não quer estar junto aos vacinados, são perigosos”. Para este deputado a vacina é manobra de um “complot” internacional que envolve a indústria farmacêutica e outros grandes interesses.
Há coincidência entre partidos soberanistas e o movimento “No vax”. É notório que forças políticas que têm o discurso baseado na fúria anti-instituições, com contestação geral ao sistema, aproveitam a oportunidade para conquista de espaço. Com desprezo pela real ameaça da pandemia.
Em Portugal, os números sobre hospitalizações e óbitos por Covid-19 já não impõem emergência absoluta. Mas 65 mortes – uma vida perdida é uma desgraça, que dizer de 65? - por este vírus em apenas quatro dias da semana passada mostram que é vital continuarmos com alerta reforçado, pelo menos enquanto o plano de vacinação não puder estar completo. A negligência é assassina.
Portugal estava, em 26 de julho, com 427,5 contágios por 100 mil habitantes. Muito acima dos 120 na fronteira para o alerta. A incidência sobe há já três meses.
Há quem com soberba continue a comparar os efeitos da Covid com os de uma gripe. Não há como impedir que algumas pessoas, até com títulos de elite, apareçam como ignorantes ou mal-intencionadas, sobrepondo outros interesses ao da vida. No último ano não houve qualquer morte causada por gripe. A Covid-19, em ano e meio, matou em Portugal mais de 17 mil pessoas.
Os números também nos trazem evidência de que a vacina atenua fortemente o risco de a pessoa vacinada contrair doença grave. Mas não neutraliza esse risco e, sobretudo, não elimina a propagação do contágio. Passa por aqui o novo crescendo de óbitos.
Resulta evidente que é imperioso que todos estejamos vacinados e, mesmo assim, há que manter medidas preventivas.
O principal argumento dos que gritam “Liberdade, liberdade” e que vestem camisolas que proclamam a recusa da “ditadura sanitária” é o do direito à liberdade de escolha sobre a própria saúde.
Nenhuma cedência no máximo respeito sempre pela liberdade. Mas desde que a liberdade de uns não ponha em causa a liberdade de outros. Os que recusam a vacina, que rejeitam o certificado de vacinação e que não aceitam medidas preventivas como o uso de máscara, estão a roubar liberdade aos outros na comunidade. A liberdade apela à solidariedade.
Não é aceitável que o egoísmo dos que reivindicam a liberdade individual contribua assim para propagar o vírus e para o risco de UCIs outra vez com sobrelotação, cortando assim a liberdade de outros.
Há queixas de que outras doenças estão a ficar para trás. É um facto, preocupante. Mas que nos reforça a urgência de fazermos tudo para conseguirmos ter sob controlo a primeira pandemia na nossa vida e no último século.
Se a pandemia voltar a ficar fora de controlo, é toda a atividade económica, social e escolar que volta a ficar em causa e a travar a recuperação que avança.
Há o desespero dos que continuam a ter o negócio e o sustento devastado pelas restrições decorrentes da pandemia. Merece todo o respeito. Cabe à comunidade, com o Estado à cabeça, tratar de lhes dar apoio económico – aliás, se assim não tivesse sido neste último ano e meio, a calamidade seria muito mais tremenda.
Combater a pandemia, assim como mitigar as consequências das alterações climáticas, é um bem público global, que requer envolvimento coletivo. Não é obrigação apenas para o Estado, é de todos nós.
A vacina é um salva-vidas de todos que ainda não chegou à maioria dos países de África e do Médio Oriente.
Cabo Verde é um raro bom exemplo de vacinação. Já estão vacinadas mais de 120 mil pessoas das 560 mil que residem neste país. O corpo de saúde já está todo vacinado. Professores, também a maior parte já com vacina.
Maas no conjunto do continente africano a vacina para a Covid-19 ainda apenas chegou a uns 20 milhões de pessoas, portanto, menos de 2% da população. África do Sul, Marrocos, Tunísia, Mauritânia, Nigéria e Egito são os casos mais críticos em África. A situação está pouco melhor no Médio Oriente e na América Latina.
Estamos a ver como a variante Delta, com poderosa carga viral, está a virar os planos de países que já se julgavam fora do túnel da pandemia. Mesmo que toda a Europa e a América do Norte esteja vacinada não nos livramos da pandemia enquanto outras regiões do mundo continuem a ser território fértil para a propagação.
Enquanto todo o mundo não estiver seguro, ninguém estará e as precauções e restrições continuarão a ser necessárias.
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