Deixemo-nos de sentimentos de culpa. Sentimo-nos culpados por sermos prósperos e livres. Por respeitarmos os outros e sermos tolerantes com os que pensam diferente de nós. Por termos construído sociedades onde tentamos que todos caibam. Por tentarmos chegar à igualdade de género. Por tratarmos os animais como, noutras paragens, não se tratam os humanos. Por recebermos o outro e permitirmos que ele se integre. Por termos chegado a um nível de humanismo avançado.

Nada disto nos deve fazer sentir culpados. Devemos, antes, estar orgulhosos. Se o bem e o mal existem, não devemos ter dúvidas sobre onde está um e onde está o outro. Sempre cientes também dos nossos erros e do muito que há a mudar nas nossas sociedades. Mas isso não faz de nós culpados dos actos terroristas dos outros.

Deixemo-nos de contemplações. O que está em causa é a nossa forma de estar no mundo e das sociedades que construímos e queremos manter nos nossos países. Para alguns tiranos é inconcebível que não se apedrejem adúlteras, que as mulheres possam ambicionar ter os mesmíssimos direitos e deveres que os homens, que aos ladrões não se corte uma mão, que se beba álcool, que não se tenha fé ao mesmo Deus da mesma maneira. Para eles é inconcebível que a alguém seja permitido viver se forma diferente da que eles pregam. Para nós isso é intolerável. O alvo somos nós mas o objectivo é aniquilar a nossa liberdade e tolerância. Aquilo que aos olhos deles é a nossa estranha forma de vida.

Deixemo-nos de procurar explicar o inexplicável. A guerra pode ser hedionda, injusta ou desnecessária. Mas a maior parte das vezes conseguimos entendê-la, mesmo discordando totalmente dela. A guerra tem regras e é um processo frontal: sabe-se quem são os beligerantes e qual é o campo de batalha, há uma ideia sobre as forças em confronto, conhece-se o objectivo dos vários lados. Na guerra feita dentro das regras os objectivos primordiais são militares. Sabe-se quando se ganha e quando se perde e antecipam-se as consequências desses desfechos. Pelo contrário, o terrorismo é, na sua essência, de uma total cobardia. É uma guerra travada sem a declarar. O alvo prioritário são inocentes. Quanto maior a chacina de inocentes, mais eficaz ele é. Estes terroristas não pretendem conquistar territórios ou aniquilar forças militares adversárias. Pretendem tão só intimidar, espalhar o terror junto de quem pensa e vive de forma diferente apenas porque pensa e vive de forma diferente, ainda que aceite a diversidade do outro. E isto é inexplicável. A culpa é do desemprego e da pobreza, diz-se. Ou da cimeira das Lages. É da intervenção no Iraque. É da falta de intervenção na Síria. É porque se abrem as fronteiras. É porque se fecham as fronteiras. É porque acolhemos toda a gente nas nossas cidades. É porque não acolhemos toda a gente nas nossas cidades. É porque não integramos. É porque queremos integrar à força.

Mas alguma vez a barbaridade precisou de bons motivos para ser exercida? O fanatismo não é, pela sua própria natureza, intrinsecamente avesso à racionalidade, ao diálogo e ao bom senso? Vá lá. O fanatismo e, pior do que ele, as tentativas de o impor aos outros combatem-se, não se justificam.

A mais absoluta intolerância, capaz dos mais horrendos actos terroristas - sejam em Nova Iorque, Madrid, Paris, Beirute, Bombaím, Síria ou Iraque - não pode ser combatida com tolerância. O combate é desigual e beneficiará sempre o infractor. Os limites da tolerância e da democracia atingem-se no momento em que a tolerância e a democracia ficam elas mesmo ameaçadas e em perigo.

A tolerância deve ser total para acolher o arco-íris das religiões, das ideologias, das formas de estar na vida e das organizações de sociedade que homens e mulheres livres decidirem. Mas a intolerância só pode ser também total perante radicais que em nome de uma religião ou ideologia as querem impor por força da chacina premeditada de inocentes. Se a escolha for entre estes e nós não devemos nunca duvidar da resposta. A escolha não é entre uma religião ou outra. Não é entre uma ideologia ou outra. Não é entre uma forma de estar na vida ou outra. A escolha é apenas entre o bem e o mal. E nesta escolha nunca podemos enganar-nos.

Outras leituras

Não sabemos qual vai ser o desfecho da nossa crise política. Mas uma coisa sabemos de fonte segura há várias semanas: a escolha será feita numa base de "menor dos males". O Governo de gestão é só um deles.

Paredes de Coura venceu o Portugal Festival Awards. São três boas notícias numa só: 1- há vida para lá de Lisboa e Porto; 2- os festivais não são só Álvaro Covões e Luís Montez; 3- a vontade não paga contas mas vale muito.

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