Depois do chumbo do PP de Albert Feijóo, que tinha ficado escrito no resultado insuficiente para as direitas nas eleições em 23 de julho, agora é a vez do socialista Pedro Sánchez se apresentar para continuar.

Os líderes à esquerda, Pedro Sánchez (PSOE) e Yolanda Diaz (Sumar), expressam tanto convencimento ao darem por adquirida a investidura, já daqui a um mês, do “governo progressista”, que diminuem o espaço para dúvidas sobre os acordos necessários com os partidos nacionalistas e independentistas.

Um desses partidos decisivos para a investidura, o Junts per Catalunya, (centro-direita, catalanismo radicalmente independentista, com o líder Carles Puigdemont ausente na Bélgica, ele diz que exilado, o espanholismo diz que fugido à justiça), faz saber que quer cobrar por adiantado: pretende que antes ainda da investidura seja aprovada a amnistia para o independentismo catalão.   

A amnistia era, juntamente com o referendo sobre o futuro da Catalunha (sim ou não à independência) a exigência inicial dos independentistas.

Sánchez não demorou a enviar uma mensagem aos cidadãos e a todos os atores desta complexíssima partida de xadrez político: amnistia, sim; referendo, não.

A mensagem foi tão nítida sobre as margens da negociação que os partidos que exigiam o referendo (sobretudo o Junts) de imediato abandonaram a reivindicação antes tão enfática.

Ficou a perceber-se que não queriam esticar a corda, que estavam interessados num acordo.

O independentismo catalão e o nacionalismo basco estão com poder sobrevalorizado sobre o destino político de Espanha: está no voto deles saber se há um governo de esquerdas apoiado pelos nacionalismos, ou se Espanha vai para novas eleições.

A questão com a qual estão confrontados nacionalistas e independentistas é aparentemente simples: o que é mais vantajoso para eles, reeleger Sánchez ou que a Espanha volte a votar? Hierarquizando prioridades, devem preferir deixar para outra ocasião o tudo ou nada e evitar, por agora, o retorno das direitas com histórico de muito autoritarismo sobre os nacionalismos e mão de ferro com o independentismo.

Há, assim, caminho entreaberto para a investidura de Sánchez para presidir a um governo do PSOE com o Sumar.

Yolanda Diaz, líder do Sumar, acaba de anunciar que apresenta na próxima terça-feira a proposta para uma futura lei de amnistia para os implicados no chamado procés (os processos, já com penas pesadas, da justiça espanhola contra os independentistas catalães).

Amnistia é a palavra da moda em Espanha. Já tinha sido muito usada na transição do franquismo para a democracia. Então, as palavras-chave eram liberdade, democracia e amnistia. Ficou então amnistiada uma grande quantidade de crimes de Estado e até acusações de crime contra a humanidade que recaíam sobre protagonistas do franquismo. Ao mesmo tempo, os presos e os condenados por antifranquismo também foram amnistiados. Houve pragmatismo e generosidade nessa transição de Espanha para a democracia. Foi evitada a violência fratricida em ajuste de contas. Foi posto um pano a cobrir a memória.

Agora, a amnistia aparece com um vício à partida: a oferta de amnistia como moeda de troca por votos parlamentares.

Passa por aí o intenso ruído político-mediático na Espanha destes dias.

A maioria de esquerdas, com o governo ainda em plenitude de funções, já tinha aprovado indultos a dirigentes políticos independentistas. Agora é a vez de completar esse processo, retirando o conflito à justiça para a qual foi atirado em 2017, pelo governo então PP de Rajoy, que não foi capaz de encontrar solução política.

Pedro Sánchez tem agora um desafio que é imenso nesta Espanha tão radicalizada e com tantos ódios de uma parte sobre a outra: é a tarefa de explicar que a amnistia, para além de possibilitar a entrada em funções de um governo, também assenta as bases para que, com recurso à razão, em negociação, seja possível concertar as bases para a convivência democrática harmoniosa entre os diferentes povos do Reino de Espanha.

Conseguir a harmonia na convivência parece missão impossível. Conseguir a investidura para presidir a um novo governo das esquerdas é assunto que parece resolvido. Ainda que não seja prudente excluir surpresas quando no independentismo aparecem súbitas mudanças de humor. A tendência, muito forte, é para um governo Pedro Sánchez, com PSOE e Sumar. E algum tempo com muitos protestos das direitas espanholistas, portanto com a Espanha dividida e discussões inflamadas sobre a negociação com independentistas.