De repente, quando é preciso fazer obras, a vida muda totalmente. Ao fim de dois meses fora de casa, regresso com alguma melancolia e apreensão. Estava eu cheia de energia para limpar e arrumar, abrir caixotes, seleccionar e mandar para o lixo, quando percebi que, afinal, ainda não está bem tudo pronto. Portanto, tenho de esperar para tirar as coisas do caixote. E não posso usar a cozinha. Apenas o frigorífico. Um dia, talvez, consiga usar o resto.
Há pó laranja por todo o lado (já disse que a cozinha está laranja? Pois, mas, por favor, não tirem conclusões políticas desta opção estética!), uma penumbra de pó acinzentado que cobre tudo e vários sacos com ferramentas diversas, algumas com aspecto terrífico, outras simplesmente incompreensíveis, há garrafas de água e papelões, cartões e plásticos.
Tudo se atrasa, obras são uma loucura, tu não te metas nisso. Ouvi eu estes meses, já com a obra começada e, consequentemente, sem hipótese de desistir. E uma cozinha parte-se num instante, fica mesmo como um cenário de guerra em meia dúzia de horas, o pior é a reconstrução. Para colocar armários e pedra, cubas e máquinas, ah, isso é todo um processo estranho e estamos sempre quase, mas falta o quase e o quase é avassalador. A vida é dominada pelo quase.
E o que dizer daquele dia em que se visita a obra e – surpresa! – não há lugar para a máquina da roupa? A solução é simples, parte-se um pouco aqui, um pouco ali, e o quase foi-se.
O desespero é de tal ordem que considero nunca mais desencaixotar seja o que for. Quando isto terminar, vou deixar a cozinha impecável, super limpa, com os mega armários vazios por incapacidade de os encher. A minha cozinha cabe em trinta caixotes, a minha cozinha não tem 15 metros quadrados, nós acumulamos tanto que é quase anedótico.
Espreitando para dentro de um caixote descubro uma coisa verde de plástico que não sei para que serve. Do outro lado, está um livro de cozinha, em mandarim, oferta de uma amiga cheia de graça e boa disposição. Que grande chuto na tola! E ainda não sei qual é a conta final desta magna obra, mas não digam à minha mãe que ela é capaz de ter um ataque e deserdar-me (ela tem uns tachos de cobre maravilhosos que cobiço há anos, mas que nunca caberão no paraíso reformulado que é a minha bela-quase-cozinha-laranja). Para quê pensar no que isto vai custar? Prefiro admirar a minha existência e abrir uma pilha de correio.
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