Este ano a Acreditar, que procura ser a aldeia aconchegada dentro da aldeia maior, quis olhar à sua volta e perceber de que tamanho seria actualmente a onda que se forma quando uma doença como o cancro se instala numa família e tem o rosto de uma criança.

As maiores ondas são : o medo, o sofrimento, a solidão e isolamento, a incompreensão e a incerteza.

Para diminuir o seu impacto é preciso que a sociedade, a aldeia, as organizações se mobilizem para entender e estar com a criança, com o jovem e com a família. Estar é colocar-se na posição de quem sofre e perceber como se minora o sofrimento. Estar é disponibilizar acompanhamento psicológico e emocional e garantir que este existe para todos os que precisam.  

E de que tamanho será a onda de impacto económica e social? As famílias disseram, novamente, que é grande. Grande demais para que a suportem sem sofrimento. Disseram-no  no novo inquérito lançado pela Acreditar, que actualiza o realizado em 2017, que as despesas crescem e que os rendimentos diminuem e que isso representa uma fatia grande com 654 euros por mês de dimensão. 

Pensando que mais de 50% das famílias respondentes possuem rendimentos de trabalho até 1500 euros por mês, podemos facilmente imaginar o impacto desta realidade. 

Para mitigar esse impacto a aldeia precisa agir e proteger estas famílias permitindo que, no mínimo, possam manter a situação económica que tinham antes de ver o cancro entrar na família. É uma medida que não resolve tudo, dado que o aumento das despesas se mantém, mas pelo menos reduz o impacto. A manutenção do rendimento líquido dos trabalhadores, quer por conta própria quer por conta de outrem, será uma medida de elementar justiça que há muito se impõe.

Depois existem as ondas de impacto da sobrevivência. Sobreviver é fantástico, mas pode ser difícil e manter-se difícil por toda uma vida. 

O estigma da doença, que não obstante a lei do esquecimento, continua a estar presente na memória das instituições financeiras que continuam a não aplicar a lei por falta de regulamentação. A regulamentação que a aldeia se esqueceu de fazer.  A lei ficou no esquecimento em vez de o esquecimento ser aplicado a quem precisa de pedir um empréstimo para comprar uma casa ou de fazer um seguro. 

A aldeia, que se sensibiliza tanto quando confrontada com casos de crianças individuais e com as suas histórias comoventes, não lembra que existem medidas crucias e abrangentes que podem atenuar sofrimento de todos e que podem fazer com que as sequelas da doença se tornem menores e mais suportáveis. 

A aldeia esquece que as consultas de acompanhamento de acesso universal para estes doentes são peça fundamental da manutenção da sua saúde física e psíquica. A aldeia esquece de incentivar a investigação, com vista a determinar melhores tratamentos e mais precisos e que não tenham o impacto gravoso nos anos vividos após a doença sem a qualidade de vida assegurada. 

A aldeia esquece o que deve lembrar e lembra o que tem de esquecer. É por isso que o ouro do laço aparece à volta do cancro pediátrico para, em cada Setembro, nos lembrar a todos que o Cancro Pediátrico existe e que cria ondas e ondas de impacto na vida das crianças e jovens e das suas famílias. É preciso tornar o Setembro Dourado irrelevante. É urgente que isso aconteça. 

A Acreditar – Associação de Pais e de Amigos de Crianças com Cancro existe desde 1994 com o objectivo de minimizar o impacto da doença oncológica na criança, no jovem e na sua família. Presente em quatro núcleos regionais: Lisboa, Coimbra, Porto e Funchal, dá apoio em todos os ciclos da doença e desdobra-se nos planos emocional, logístico, social, jurídico entre outros. Em cada necessidade sentida, dá voz na defesa dos direitos das crianças e jovens com cancro e suas famílias. A promoção de mais investigação em oncologia pediátrica é uma das preocupações a que mais recentemente se dedica.