Após quase 11 meses de guerra que se tornou barbárie em vingança da barbárie de 7 de outubro, a fúria dos pais e outros familiares dos reféns está a explodir contra Netanyahu. O primeiro-ministro de Israel é acusado de abandonar os reféns e estar a causar a morte deles porque escolhe a guerra e a recusa de acordo de trégua - porque entende precisar da guerra para adiar o fim político dele.
Netanyahu está confrontado com três frentes: o Hamas, a diplomacia americana que aumenta a pressão (embora sem usar a força determinante que a matança em curso impõe) e, cada vez mais, a frente interna no estado hebraico.
Apesar da total hostilidade entre todos e o Hamas há um desejo comum a estas três partes adversárias de Netanyahu: obrigar o primeiro-ministro de Israel a aceitar o cessar-fogo.
A frente interna, pela dimensão que tem, introduz um dado novo: expõe nas ruas a crise política em que o estado hebraico está mergulhado e assim empurra Netanyahu para o cenário de demissão. É uma nova realidade interna que dá mais argumentos à pressão americana, a que mais inquietará o atual primeiro-ministro de Israel – que também não deixará de pensar no depois da guerra e em qualquer forma negociada para escapar à condenação como criminoso de guerra.
Logo ao começo da manhã desta segunda-feira ficou claro que a greve geral, convocada por sindicatos e apoiada pela oposição encabeçada pelo ex-general Benny Gantz e pelo também centrista Yair Lapid, está a mostrar grande adesão e mobilização da sociedade civil israelita. Uma ronda por Haifa, Telavive e Jerusalem mostra escolas e centro comerciais com portas fechadas. Há manifestações que se impõem como muros humanos que, como confirma o jornal The Times of Israel, estão a bloquear avenidas, estradas e auto-estradas. O movimento aéreo no Ben Gurion, o principal aeroporto de Israel, está praticamente suspenso pela greve.
Netanyahu também está confrontado com a divergência com um homem com cargo de topo dentro do governo: Yoav Gallant, ministro da Defesa, está a expor em público o que já disse no conselho israelita de guerra, que é preciso um acordo que possa salvar os reféns.
Gallant é o único rosto dentro do governo israelita que está a defender o acordo na negociação. Gallant é um homem com peso politico e militar em Israel. É uma das figuras do Likud, o partido comandado por Netanyahu, mas a convivência entre os dois está, há já algum tempo, a tornar-se muito difícil. Gallant não tem reserva de votos que lhe permitam desafiar Netanyahu, mas o jornal Haaretz e o Canal 12 da televisão israelita já têm referido movimentações dentro do Likud para que seja encontrada uma alternativa a Netanyahu. Em setores do Likud é lastimado que o primeiro-ministro esteja refém dos partidos da extrema-direita cujos líderes, Ben Gvir e Benzolel Smotrich estão a ditar as decisões governamentais, valendo-se do facto de, sem eles, o governo deixar de ter apoio parlamentar.
Bem Gvir é o ultra que está a liderar a ofensiva que na última semana avança também na Cisjordânia, ameaçando incendiar este território sob governação da Autoridade Palestiniana, que se mostra esvaziada de qualquer autoridade.
É reconhecido que o cessar-fogo representa o único modo para alcançar a libertação dos 101 israelitas ainda reféns da jihad palestiniana. Eles foram capturados, de modo cruel, pelo Hamas. Mas a vida deles está nas mãos de Netanyahu.
É assim que Netanyahu está a ser visto, não apenas pelo mundo mas também, cada vez mais, em Israel (onde muita da barbárie do exército israelita em Gaza é ocultada) como o até aqui intransponível obstáculo ao acordo.
Os seis reféns mortos que no sábado voltaram a Israel estão a desencadear uma explosão emocional que provoca o disparo da tensão política.
Netanyahu está confrontado com um dilema imediato: a trégua em Gaza ou a guerra política em Israel. Mas ele também sabe que o fim da guerra em Gaza vai provavelmente deixá-lo sem trincheiras para escapar ao fim político.
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