Ciclicamente faço contas à vida. Mudo a minha imagem no mural do Facebook para um frame do filme da Disney "Branca de Neve e os Sete Anões". Alguém decidiu fazer do espaço Disney e das mil personagens uma plataforma de ironia, e, nesta imagem, a Branca de Neve surge de bruços (imagino que no escuro da floresta assustadora, depois de escapar às mãos terríveis da madrasta que a quer ver longe e, preferencialmente, morta) e a legenda reza assim: cansei, quero aposentar-me. É evidente que quem inventou a Disney irónica é uma alma brasileira e, muitas vezes, temos esse gosto suplementar da língua portuguesa recheada de musicalidade brasileira.
E então cá estou eu, em versão Branca de Neve, pronta para me retirar e este assalto emocional de contemplação da vidinha dá-se com uma regularidade matemática assustadora e cada vez menos espaçada. Ando a trabalhar há trinta anos, fui confrontada com isso – trinta anos! – este ano de 2018. Desconto para a segurança social há 29 anos, estive um ano a trabalhar à borla, por isso não tinha como descontar, mas não trabalhava menos por causa dessa manobra de exploração inerente ao então estatuto de “estagiário” da redacção de um jornal.
Como vou fazer 48 anos de idade não tarda nada, achei por bem fazer uma simulação da minha putativa reforma e, qual não foi o meu espanto, quando o senhor Google nem precisa que eu escreva na íntegra a palavra simulador, dá-me logo opções de simulador de IRS, IMT, crédito à habitação e de reforma. Percebo que, além do simulador de reforma disponibilizado pela segurança social (um pouco complicado, o que me levou a recorrer à minha contabilista do coração), temos companhias de seguro e instituições bancárias com o mesmo tipo de aplicação, imagino que tenham como objectivo promover ferramentas de poupança e outras coisas que tais, dando-nos a hipótese (ou será ilusão?) de que estamos a poupar para o futuro. Nós, na velha Europa, temos a tendência para pensar no futuro e planear. Na Índia, por exemplo, referir um Plano de Reforma ou algo assim faz tanto sentido como prever a mudança de tempo súbita.
Concluí então que não tenho como, mais ironia ou menos ironia, procurando auxílio nas personagens maravilhosas do imaginário infantil ou em outras, reclamar e anunciar a minha retirada do mercado de trabalho até aos 60 anos de idade. E, com essa possibilidade, tenho uma penalização imensa, mais de 50% do valor da reforma que terei se andar a batalhar até aos 65 anos. Conclusão? Aceita, Patrícia, que custa menos. Faltam-me 17 anos de labor. Não me incomoda se pensar no que tenho aprendido, nas pessoas com quem me tenho cruzado, na imensidão de projectos que ainda gostaria de ver por aí a vingar, a fazer caminho. Incomoda-me quando sou confrontada com a falta de ética, a velocidade extrema com que os clientes querem qualquer coisa, porque se é feito no computador (pois) não implica muito trabalho, pois não?, ou ainda quando percebo que aquela pessoa ali, com quem tenho de privar durante um tempo indeterminado, é um(a) sacana do pior, mal formado(a) e sem escrúpulos. Acabo por concluir que nestes trinta anos não mudei assim tanto: não é o trabalho que me maça, são as pessoas. Não é o que me custa fazer, é o pouco que se paga (e, nesse aspecto, posso assegurar que todos os orçamentos vieram por aí abaixo, cantando e rindo, cada vez mais irrisórios, cada vez mais infelizes).
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