Ainda está por perceber qual foi a estratégia de Macron ao decidir, na noite das eleições europeias (9 de junho), em que a extrema-direita foi ganhadora e o bloco presidencial saiu muito perdedor, convocar eleições legislativas antecipadas, com segunda volta em 7 de julho.

Nesse mês intermedio houve uma mudança imprevista na França política: as esquerdas, do centro-esquerda socialista e verde aos mais radicais setores que se definem insubmissos, apesar do histórico de hostilidades, uniram-se no Nouveau Front Populaire (NFP), frente popular criada com a ambição de barrar o acesso ao governo da extrema-direita de Le Pen encabeçada pelo delfim Bardella.

Estas eleições trouxeram a surpresa (nenhuma sondagem ou análise a previu) da vitória desta coligação NFP das esquerdas, com 182 deputados, mas longe dos 289 que fazem maioria absoluta. O Ensemble, que agrega os partidos conjugados com Macron, perdeu 77 dos deputados que tinha, mesmo assim ficou como segundo grupo com mais lugares (168) no parlamento francês. A extrema- direita Rassemblement, de Le Pen/Bardella, cresceu de 89 para 143 deputados e a direita republicana continuou em queda e baixou de 64 para 46 deputados.

Resultou destas eleições um parlamento francês  dividido em três blocos hostis entre eles e sem maioria para governar.

As esquerdas NFP, como maior grupo parlamentar, reivindicam receber de Macron o encargo de formar governo e já apresentaram uma mulher que propõem para primeira-ministra, a quase desconhecida Lucie Castets, 37 anos, alta funcionária do Estado, alinhada com a esquerda mas sem filiação partidária, atualmente diretora de Finanças no município de Paris (presidido ela socialista Anne Hidalgo).

Macron só na próxima sexta-feira, 23 de agosto, inicia consultas formais com todos os partidos políticos. Mas já desvalorizou a hipótese Lucie Castets, com o argumento de que não será capaz de aglutinar uma maioria estável no parlamento e estará condenada a uma moção de censura que prolongará a crise.

O bloco macronista, apesar de grande perdedor das eleições, sonha continuar a governar a França através de uma coligação que envolva um amplo bloco central desde a direita republicana (também derrotada) ao centro-esquerda dos socialistas e dos verdes.

Macron recusa dar posse a um governo com ministros da “França insubmissa” de Mélenchon. Gente do macronismo tem tentado, ao longo destas semanas – o tempo que Macron tratou de usar – para abrir uma cisão na aliança NFP e conseguir que socialistas e verdes alinhem com a ampla coligação presidencial. Mas o bloco NFP mostra-se coeso, sem qualquer indício de brecha possível.

Sucedem-se as “fugas de informação” a partir do campo macronista. A última é a de que o presidente pretende indicar para primeiro-ministro alguém como Bernard Cazeneuve, que foi chefe do governo (2016/17) socialista do presidente François Hollande.  Seria uma tentativa de dividir a bancada socialista com o dilema entre a fidelidade à aliança das esquerdas e a tentação de regresso a lugares da governação. 

Vários dirigentes socialistas já estão a repetir que rejeitam o que chamam de presente envenenado do macronismo que busca sobreviver apesar de derrotado.

Há destas últimas horas uma movimentação que está a criar mal-estar dentro da aliança NFP:  dirigentes insubmissos publicaram neste domingo uma tribuna política[https://www.latribune.fr/opinions/demettre-le-president-plutot-que-nous-soumettre-par-jean-luc-melenchon-mathilde-panot-et-manuel-bompard-1004412.html] em que ameaçam desencadear um processo de destituição do presidente Macron, por não respeitar o resultado das eleições. Os aliados socialistas não gostam deste acrescento na crispação política. Mas não põem em causa a coesão da aliança.

O atual impasse na formação de governo coincide com um tempo em que a França tem as contas do Estado em situação de emergência. O controlo europeu já está a alertar Paris para o estado das finanças públicas. O próximo orçamento tem de incluir medidas de contenção da despesa – e todos os partidos estiveram na campanha a prometer melhor nível de vida das pessoas, deixando implícito aumento da despesa pública.

Durante os 17 dias dos Jogos Olímpicos a França uniu-se pelo entusiamo da festa que fez esquecer o país político profundamente fraturado. Macron apareceu muito a explorar o sucesso dos Jogos. Agora, vai ter de descer do Olimpo e tomar decisões.

Não se vê como poderá ser superado o atual impasse político. Qual será a próxima manobra de Macron?