Na moda, cansei dos padrões que se reconhecem à distância, dos cortes iguais em todas as marcas, dos tecidos pingões e costuras mal acabadas, das fibras e tecidos que não servem para o frio ou calor. Cansei dos modelos tingidos de sangue suor e lágrimas de alguém sem outras opção para ganhar a vida, dos vestidinhos que são todos camiseiros com cinto, das tendências sempre iguais que se renovam entre estações e a cada estação, de andar igual e mal vestida, da moda que é andar de igual.

Cansei, não sem antes questionar o que fará uma pessoa trabalhar numa loja por uma média de 700€ brutos, com horários rotativos que podem começar às seis da manhã e acabar às onze da noite - que nunca são mesmo à hora certa porque sabemos que há sempre um cliente de última hora - e, todos os dias, aturar clientes chatos e tarefas rotineiras, chefes que não compreendem o significado da palavra e perspectivas futuras que não ultrapassam o valor das contas a pagar ao fim do mês?

As contas a pagar.

Essas que nos limitam o raio de acção, que nos conformam perante um cenário que é injusto e que, ideologias políticas à parte, está à vista que consolida desigualdades.

Para o caso não interessa a loja - ou a marca - porque todos sabemos que o retalho é um negócio esmagador: esmaga fornecedores tornando-os dependentes, esmaga preços para monopolizar o sector, esmaga pessoas que trabalham por um valor muito abaixo do valor de mercado. A rotatividade, nestas lojas, é enorme, fruto de condições de trabalho precárias, um enorme desequilíbrio naquilo que se entende por equilíbrio trabalho-família, pouco reconhecimento e baixos níveis salariais. Acresce que, na maior parte dos casos, as funções levam à estagnação intelectual, atentam contra a ergonomia no trabalho e o bem estar individual.

Pensaremos nisso, quando estamos de cartão na mão, prontos para pagar? Não. Comprar faz-nos sentir bem, liberta endorfinas, contribui para a sensação de pertença e ajuda ao processo de validação social do qual estamos todos muito dependentes. Sem crítica ou julgamento porque o fenómeno ataca a todos, contudo, a informação está disponível, os modelos industriais de produção que nos garantem este preço tão simpático têm custos enormes para o nosso modo de vida global - a poluição que produzem e o desperdício que estimulam - e bem estar individual, seja que quem faz parte desta espiral empregadora, seja de quem abdica daquilo a que chamamos consciência e continua a comprar. Note-se que comprar todos compramos. Há uns que compram mais, compram a mais e compram sem propósito. É isso que podemos mudar.

A culpa é das empresas?

Também, mas não só. A culpa também é nossa, porque procuramos a melhor relação qualidade preço sem nos preocuparmos com a forma como o produto foi produzido, como chegou até nós, que impacto social e ambiental pode ter, com o atendimento ao cliente, bem como que condições profissionais e de vida têm aqueles que nos servem. Numa loja com funcionárias que dobram roupa num processo infindável e clientes que desarrumam sem respeitar o trabalho dos outros, à caixa do supermercado e ao seu bip incessante, há gigantes da moda, construção, mobiliário, electrodomésticos e electrónica, empresas e marcas para as quais deveríamos olhar de outra forma, tentando perceber várias coisas, a primeira das quais se precisamos mesmo comprar aquilo e fazê-lo naquela loja, se podemos abdicar ou escolher o equivalente nacional, de preferência local que, tantas vezes, está a uma distância que podemos fazer a pé, perto de casa e longe dessas áreas a que chamam zonas comerciais e que, numa lógica liberal, dão emprego a muita gente mas que, bem vistas as coisas, só estimulam uma sociedade de consumo que tende a desmoronar, perpetuando um modelo social que é tudo menos fixe.

Por isso, cansei.

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