Por um lado, é óbvio o desequilibrio entre as posições alcançadas por homens e mulheres a lugares de maior responsabilidade e capacidade de decisão na generalidade das instituições. Isto apesar do avanço verificado nas últimas décadas nos níveis de formação das mulheres.

Por outro lado, uma quota obrigatória é sempre mais um entorse potencial ao primado do mérito na escolha de pessoas seja para o que for. Por isso é que muitas mulheres não gostam do sistema que poder transformar uma profissional competente numa “filha da quota”.

A prova de que a teoria das quotas é mais fácil do que a prática está aqui: o Governo está disposto a obrigar as maiores empresas a terem um terço de mulheres nos seus conselhos de administração mas não conseguiu ou não quis cumprir essa quota no “conselho de administração” do país, onde os cargos ministeriais ocupados por mulheres são menos de um quarto.

Tudo pesado, as quotas podem ser o mal menor para resolver um problema que, se é deixado exclusivamente às dinâmicas sociais tradicionais - pedagogia, sensibilização, mudança de consciências e depois, finalmente, a mudança de hábitos e de práticas - pode eternizar-se.

Até porque o problema da desigualdade não nasce no mercado de trabalho e na vida adulta. Ele começa em casa, desde a educação mais precoce, por exemplo quando se distribuem as tarefas domésticas por filhos e filhas. E, por regra, tem o alto patrocínio das pessoas mais insuspeitas do mundo: as mães. Eles mais chamados a trabalhos que envolvam mais força e mecânica. Elas mais encaminhadas para as tarefas domésticas tradicionais.

A separação das “tarefas de mulher” e “tarefas de homem” acentua-se logo a seguir quando os adolescentes se transformam em membros de um casal. Aí, por regra, ele já “não tem jeito” para nada que possa envolver tachos e panelas, fraldas e biberons, lidar com o aspirador ou dar seguimento à rotina do tratamento da roupa. Como se estas coisas estivessem mais dependentes do jeito do que da vontade de as fazer, como cantar uma ária de ópera, desenhar decentemente a olho nu as flores que estão em cima do móvel ou escrever um canto dos Lusíadas.

E quem é que vai forçar alguém que “não tem jeito” para essas coisas a fazê-las? Sobretudo havendo outro alguém lá em casa que, com ou sem jeito, lá tem que assumir essas funções porque foi assim que foram habituados, educados e a sociedade manda. E esse alguém é ela.

Isto não se muda numa geração ou duas porque, de facto, está entranhado. Há até muita gente bem intencionada que confunde as naturais e salutares diferenças entre homens e mulheres para, a partir daí, estender mais um pouco o tapete e colocar a discriminação como uma consequência natural da biologia e psicologia.

Quando se chega ao mercado de trabalho, por regra, já é tarde. E em cima disto colocamos depois o pragmatismo, a desorganização e a selva em que se transforma muitas vezes a vida das empresas.

O pragamatismo tem a ver com contas. Uma mulher, porque em regra tem dois trabalhos - este e o de casa -, tem menos disponibilidade horária, é mais chamada à escola e a levar os filhos ao médico, engravida e tem licenças de maternidade e depois horários reduzidos, etc. Logo, custa mais dinheiro à empresa.

A desorganização tem a ver com a nossa incapacidade de conseguir uma melhor harmonia entre a vida profissional e a vida pessoal e familiar. Os horários de trabalho que se praticam em Portugal são estúpidos, mesmo quando não têm de o ser. Começa-se tarde e acaba-se demasiado tarde. Alguém que saia às 17h00, depois de um dia produtivo que começou às 8h00, é visto como um parasita que não faz nada e que só quer ir beber copos para a esplanada no final de tarde.

A selva tem ver com o que isto provoca no comportamento das pessoas. Muitas vezes é o salve-se quem puder, não só para manter o emprego, como para garantir o aumento ou a promoção, agradando ao chefe. Um certo mundo corporativo e profissional não permite distrações nem caprichos como ir para casa jantar com os filhos ou ir à reunião da escola. Dizem que quem faz isso "não está a vestir a camisola da empresa".

A questão é essencialmente cultural, o que torna tudo mais difícil de mudar. Mas algumas regras podem ajudar.

Em Portugal estamos naquele ponto em que os direitos em caso de maternidade são muito poucos quando comparados com o Norte da Europa mas são suficientemente extensos para serem um factor de discriminação.

Um caminho para contrariar isto é aproximar as práticas dos homens e pais o mais possível das das mulheres e mães. Não fazendo sentido cortar os direitos das mães - que, aliás, têm que ser mais extensos - o caminho é reforçar os dos pais. Não se pode apenas dar-lhes o direito de tirar uns dias quando nasce um filho. Eles têm que ser mesmo obrigados a tirar essa licença, porque só assim é que as contas que as empresas fazem podem aproximar-se da neutralidade de género. Quando os empresários tacanhos fizerem contas e verificarem que têm um custo social e laboral semelhante na contratação de um homem e de uma mulher muita coisa mudará, por certo. Por vezes é preciso jogar com as mesmas e perversas regras de jogo para tentar ganhá-lo.

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A outra instabilidade política, que nos custa mais do que uma mudança de governo é esta: nos últimos 26 anos os governos fizeram, em média, 19 alterações fiscais por ano.